Setembro/2013
Blog SciELO em Perspectiva
A publicação de resultados de pesquisa em acesso aberto é a forma que se tornou consensual de prestar contas à sociedade sobre os recursos empregados na pesquisa, tendo em vista que boa parte desta é financiada com recursos públicos. Além disso, a sociedade como um todo – e não apenas a comunidade acadêmica – se beneficia largamente do conhecimento gerado em todas as áreas do conhecimento humano.
O movimento do acesso aberto surge da crise dos custos das publicações impressas no início dos anos 2000 e das oportunidades de acesso oferecidas pela publicação digital na
Web, e hoje se encontra plenamente consolidado para os periódicos em formato digital. Estudo recente encomendado pela Comissão Europeia concluiu que quase 50% dos artigos publicados entre 2004 e 2011 nos países da Comunidade Europeia, Estados Unidos, Canadá, Japão e Brasil encontram-se disponíveis em acesso aberto na Internet em abril de 2013. O Brasil lidera com 63% dos artigos em acesso aberto em grande parte devido ao SciELO. (Leia mais no
post de Ernesto Spinak, neste blog)
O Acesso Aberto (AA) se consolida por várias rotas ou modalidades: seja por meio da modalidade conhecida como dourada e que abarca os periódicos de AA que publicam todos os artigos em acesso aberto ou os periódicos híbridos que publicam parte dos artigos em acesso aberto ou na modalidade conhecida como verde que ocorre com o arquivamento dos artigos em repositórios institucionais ou centrais após a publicação em periódicos. Ao mesmo tempo, estão também se consolidando no cenário internacional modelos de negócios que tornam a publicação em acesso aberto sustentável. Ao contrário do que possa parecer, a publicação em acesso aberto não tem custo zero, embora se proponha como mais econômica que às financiadas por assinaturas. Existem hoje vários modelos econômicos para tornar o AA viável e sustentável para os publicadores não comerciais e lucrativos no caso das editoras comerciais.
Muitos periódicos da via dourada cobram dos autores ou das instituições a que estão afiliados ou das agências financiadoras de projetos taxas de publicação conhecida como taxa de processamento do artigos (do inglês
Article Processing Charge) . O valor destas taxas, entretanto, varia largamente entre periódicos de editoras comerciais e de associações ou sociedades científicas. A Tabela a seguir apresenta exemplos de valores de taxas de processamento de artigos.
Dados obtidos pela empresa de consultoria
Outsell, na California, EUA, sugerem que a indústria de publicação gerou US$ 9.4 bilhões em 2011 e publicou cerca de 1.8 milhões de artigos, do qual deriva uma média de US$ 5 mil por artigo. De acordo com analistas que estimam as margens de lucro entre 20 e 30%, obtêm-se uma média de US$ 3.500 a 4000 por artigo (Van Noorden 2013). Os maiores
publishers de periódicos em AA (BioMed Central e PLoS) cobram entre US$ 1350,00 a 2250,00 para publicar artigos revisados por pares, porém nos periódicos mais renomados este valor pode atingir US$ 2700,00 a 2900,00. Em lados opostos situam-se periódicos como
Cell Reports, que requer US$ 5000 para publicar um artigo e PeerJ, um recém criado periódico-plataforma de publicação em acesso aberto que publica ilimitada quantidade de artigos por autor por ano a um custo fixo de US$ 99 a 299 (Van Noorden 2012b).
Uma extensa revisão comissionada pelo
Joint Information Systems Comittee (JISC) no Reino Unido estima o custo de um artigo por assinatura impresso ao redor de US$ 5456,00 (valores de Libra Esterlina convertidos em Dólares americanos no
câmbio de 2007). Este valor sobe para US$ 6.494,00 na modalidade digital e impressa, e é de US$ 4674,00 para o formato digital apenas. Em acesso aberto, estes valores são cerca de 30-35% menores: US$ 3662,00 para o artigo impresso, US$ 4006.00 para ambas as modalidades e US$ 3048.00 para o digital apenas (Houghton
et al. 2009).
A variabilidade dos preços está levando autores e instituições a ponderar sobre como desejam gastar seus recursos em publicação. Para
publishers, a questão que se apresenta é saber se seu modelo de negócios é sustentável e lucrativo no universo AA.
Um estudo conduzido por um pesquisador da Universidade de Helsinque e seu colega da Universidade de Michigan analisou mais de cem mil artigos publicados em 1370 periódicos em acesso aberto em 2010 e encontraram taxas de publicação entre US$ 8,00 a 3900,00. As taxas mais altas ocorrem em periódicos híbridos (Solomon and Björk 2012). Estes valores, entretanto, nem sempre representam o valor real do custo médio de processamento por artigo. Muitos pequenos
publishers em AA recebem subsídios de universidades e/ou sociedades científicas na forma de hospedagem de sites em servidores, espaço físico e recursos humanos, oferecendo, assim, menores taxas de publicação do que BioMed Central ou PLoS, empresas autônomas que operam com lucros.
Os maiores
publishers comerciais que operam predominantemente com periódicos por assinatura têm suas receitas principais de outras fontes que não as taxas de publicação, como assinaturas por programas governamentais, consórcios, bibliotecas, publicidade, venda de separatas e outros. E são receitas extraordinárias em alguns casos. Estima-se a margem de lucro da multinacional
Elsevier em torno de 40-50%, muito superior aos declarados 37% e próximo aos 40% informados pela
Wiley.
Uma das razões principais do menor custo da publicação em AA reside no fato que a maior parte dos periódicos desta modalidade opera exclusivamente online, o que elimina custos de impressão e distribuição. Além disso, os
publishers de AA de maior sucesso são empresas mais novas estruturadas para a publicação em acesso aberto, que iniciaram suas atividades com fluxos de trabalho e tecnologias avançadas que aumentam a produtividade dos processos de publicação.
Os maiores custos de publicação praticados pelas empresas comerciais de periódicos por assinatura são justificados por exercerem maior seletividade. Os
publishers alegam que devem gerenciar o processo de revisão por pares, que consiste em encontrar pareceristas, avaliar este processo, verificar se os manuscritos não incluem plágio, geração dos textos em XML, produção dos metadados, impressão e distribuição, manutenção das plataformas de gestão dos processos editoriais e de armazenamento dos conteúdos, etc… A alegação de que cobram mais porque oferecem maior valor agregado é contestada por editores de periódicos em AA como PLoS ONE, que possui um time de pesquisadores renomados como editores, e conduz um criterioso processo de revisão por pares, porém não exerce atividades de editoração.
A questão reside no quanto os autores estão dispostos a pagar pelo serviço que recebem, afirma
Timothy Gowers, da Universidade de Cambridge no Reino Unido, que liderou a revolta contra a
Elsevier em 2012. Ele pergunta “será que a preferencia dos pesquisadores por periódicos por assinatura seria mantida se os custos fossem pagos pelo autor, ao invés do leitor?” (Whitfield 2012). A resposta a esta pergunta ajudaria a dimensionar o que realmente é essencial no trabalho – e nos custos – de editoração.
Outra justificativa dos
publishers de periódicos comercializados por assinatura para suas elevadas taxas de publicação reside no percentual de rejeição. Quanto maior é o número de artigos rejeitados em relação ao total de artigos submetidos, tanto maior é a
seletividade deste periódico. Os defensores deste modelo afirmam que a conexão entre preço e seletividade reflete o fato de que a função do periódico também é separar o que é essencial – e de boa qualidade – em meio a muitos artigos sobre o mesmo tema, e que separar estes artigos através de um criterioso processo de revisão por pares tem um custo que deve ser reconhecido. O periódico
Nature, por exemplo, publica apenas 8% dos artigos submetidos, o híbrido
Physical Review Letters (cuja taxa de publicação em acesso aberto é de US$ 2700) publica 35% e o PLoS ONE (que cobra US$ 1350 por artigo) tem uma taxa de aprovação de 70%.
No Brasil, a maior parte dos periódicos de qualidade é publicada em AA. De fato, de acordo com o DOAJ, o Brasil está situado em segundo lugar, com 921 periódicos, atrás apenas dos Estados Unidos (com 1021 periódicos). Como indicamos acima o estudo da Comissão Europeia destaca a liderança do Brasil em proporção de artigos disponíveis em acesso livre na Internet. Este modo de publicação foi viabilizado no Brasil e demais países da América Latina graças a dois motivos principais: primeiro, o fato de a maioria dos periódicos serem editados por sociedades ou associações científicas ou instituições universitárias sem fins lucrativos, que fazem uso das contribuições dos seus associados e de subsídio governamental para custear as publicações; e, segundo, ao Programa SciELO criado em 1998. O modelo SciELO foi rapidamente adotado por países da América Latina e Caribe, Portugal e Espanha, e mais recentemente pela África do Sul e sua rede estende-se por 16 países em 2013. O programa que começou com dez periódicos brasileiros hoje estende-se por uma rede internacional que publica cerca de 900 títulos ativos em acesso aberto que são sustentáveis devido à dedicação de seus editores e sociedades científicas e financiamento de universidades, instituições de pesquisa e agências de apoio à pesquisa e progressivamente por taxas de publicação cobradas dos autores. No Brasil, por exemplo, o a operação da coleção SciELO é financiada em 90% pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e 10% pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O CNPq e a CAPES financiam o Programa de Apoio à Editoração e Publicação Científica. No Chile, o SciELO é financiado pela
Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica de Chile, no Mexico pelo
Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, na Africa do Sul pelo
Department of Science and Technology e apoiado pelo
Department of Higher Education and
Training, etc. O custo de indexação e publicação online do SciELO varia de pais por pais de acordo com o custo de vida local e também pela divisão de trabalho de produção dos arquivos digitais. No caso do SciELO Brasil o custo médio de publicação por artigo custa em torno a US$ 130.00, incluindo os serviços de indexação, submissão online, marcação dos textos em XML, publicação online, interoperabilidade e manutenção da plataforma tecnológica.
Nos últimos anos, alguns periódicos SciELO passaram a captar recursos adicionais para custear os orçamento. A Revista de Saúde Pública (RSP), presente no SciELO desde 1998 passou a cobrar uma taxa de publicação de artigos a partir de 2012 no valor de R$ 1500 (US$ 660), que complementa os recursos da CAPES/CNPq e da Comissão de Credenciamento de Periódicos da USP. O
Brazilian Journal of Medical and
Biological Research, que fez parte dos dez periódicos pioneiros que formaram inicialmente a coleção SciELO passou a cobrar a partir de 2004 o valor de R$ 1800 (US$ 790) para artigos de autores nacionais e US$ 900 de autores estrangeiros.
Estes valores são inferiores aos praticados internacionalmente por periódicos de referência como o PLoS ONE, mas bem acima de iniciativas como PeerJ, pois a RSP e BJMBR efetuam todo o trabalho de editoração, revisão e conversão para XML e no caso da RSP a publicação dos artigos é bilíngue em português e espanhol e mantém ainda a versão impressa.
A tendência é que o número das publicações em AA siga aumentando constante, mas discretamente, uma vez que pesquisadores estão tentados por vários motivos e às vezes forçados a preferir o modelo tradicional de periódicos por assinatura e de alto impacto. Em contrapartida, políticas públicas de um número crescente de países e de agências de fomento à pesquisa determinam que a publicação de resultados de pesquisa financiada com recursos públicos seja em AA. Caso estes mandatos venham a proliferar vão incrementar significativamente o número de periódicos AA. Uma pesquisa no Reino Unido mostrou que 60% dos periódicos autoriza o arquivamento em repositórios AA das versões dos manuscritos revisados por pares e aceitos para publicação. Porém, a maior parte dos autores não realiza este auto arquivamento a menos que sejam obrigados a fazê-lo pelas agencias de fomento (Van Noorden 2012a).
A esta barreira e falta de entusiasmo se atribui a lenta disseminação do AA como forma preferencial de publicação, movida pela decisão final de pesquisadores e agencias de fomento. “Seria de se esperar que os
publishers lutassem para não perder seus lucros, mas é frustrante perceber que são os pesquisadores que deixam de reconhecer que o AA é a forma mais viável de publicação” afirma Michael Eisen, biólogo molecular na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, e co-fundador do PLoS (Van Noorden 2013)
Links externos
http://www.outsellinc.com
http://www.jisc.ac.uk
http://www.doaj.org/doaj?func=byCountry&uiLanguage=en
Referencias
HOUGHTON, J., et al. Economic implications of alternative scholarly publishing models: Exploring the costs and benefits.
Loughborough University, 2009, 256 p. Available from:
http://ie-repository.jisc.ac.uk/278/
SOLOMON, D. J. and BJÖRK, B. C.
A study of open access journals using article processing charges. J. Am. Soc. Inf. Sci., 2012, vol. 63, pp. 1485-1405.
VAN NOORDEN, R. Britain aims for broad open access.
Nature, 21 June 2012a, vol. 486, pp. 302–303. Available from: doi: 10.1038/486302a
VAN NOORDEN, R. Journal offers flat fee for ‘all you can publish’.
Nature, 14 June 2012b, vol. 486, pp. 166. Available from: doi: 10.1038/486166a
VAN NOORDEN, R. Open access: the true cost of science publishing.
Nature, 28 March 2013, vol. 495, nº 7442, pp. 426–429. Available from: doi: 10.1038/495426a
WHITFIELD, J. Elsevier boycott gathers pace.
Nature, 9 February 2012. Available from: doi: 10.1038/nature.2012.10010
Fonte:
SciELO em Perspectiva
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