Novembro/2025
Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Robert Wegner
Temática do Encontro às Quintas de 6/11, às 10h, na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, “A história da eugenia em perspectiva comparada Brasil-EUA” tem sido mais explorada nos últimos anos, diante da ampla presença desses movimentos nos Estados Unidos e no Brasil em meados do século 20. As pesquisas estão se tornando mais sofisticadas, o que torna estudos comparativos especialmente relevantes.
Sem imaginar que estaria diante de curiosidades surpreendentes, a jornalista do Blog de HCS-Manguinhos pediu ao pesquisador Robert Wegner, professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS/COC/Fiocruz), uma palhinha da sua apresentação. Autor do livro Eugenia: ontem e hoje, (Editora Fiocruz/2025), de diversos artigos na revista HCS-Manguinhos e um dos editores do suplemento ‘A eugenia latina em contexto transnacional’ (v. 23, dez/2016), Wegner contou que teve algumas surpresas, desde que, em vez de procurar as diferenças entre a eugenia anglo-saxônica e a latina, passou a buscar processos que possam ser aproximados entre EUA e Brasil, a partir da investigação de escolas agrícolas nos dois países.
E aqui vale um aviso a pesquisadores distraídos: muito cuidado com quase homônimos, especialmente se o sobrenome for Davenport! “Fazer história é estar preparado para as surpresas”, afirma o pesquisador. Que esta entrevista traga ao leitor boas descobertas!
Blog de HCS-Manguinhos: Poderia exemplificar a diversidade dos movimentos eugenistas nos Estados Unidos e no Brasil no século passado?
Robert Wegner: Hoje em dia, há um amplo conjunto de pesquisas que sustenta que os movimentos eugenistas foram muito ativos nas primeiras décadas do século 20 em um sem-número de países. Os estudos comparativos liderados pelo historiador das ciências Mark Adams (1945-2024), na Universidade da Pennsylvania, nos anos 1980, foram muito importantes tanto para mostrar amplitude da eugenia, como também para chamar a atenção para sua diversidade.
No caso dos Estados Unidos e no Brasil, está bastante documentado que, enquanto no primeiro país o movimento eugenista frutificou especialmente a partir de 1900 de braços dados com o desenvolvimento da genética, que, por sua vez, era pesquisada e praticada na universidades agrícolas que se espalhavam nos estados do país, no Brasil, o movimento se estabeleceu de braços dados com o sanitarismo e teve sua expansão a partir de médicos e psiquiatras que se organizaram em instituições como a Sociedade Eugênica de São Paulo, criada em 1918, e a Liga Brasileira de Higiene Mental, criada no Rio de Janeiro, em 1923.
Nessa linha, afirma-se, não sem razão, que a eugenia nos Estados Unidos representa um modelo anglo-saxônico de eugenia, com base em uma concepção bem rígida da hereditariedade a partir das leis de Mendel e, ao lado disso, a militância dos eugenistas em defesa, por exemplo, de leis de esterilização de pessoas com deficiências hereditárias ou com baixo índice de inteligência, bem como de um forte controle de imigração. Já o Brasil, é tido como o exemplo de uma eugenia latina, na qual teria predominado uma concepção de hereditariedade que abria espaço para a interação com o ambiente, com a higiene e com o sanitarismo, e, associado a isso, teve um movimento prolífico em campanhas contra a tuberculose, a sífilis e o álcool, que eram concebidas como combates aos “venenos raciais”. Essa divisão entre eugenia anglo-saxônica e latina foi assumida, muitas vezes, pelos próprios eugenistas, o que não significa que devamos assumir essas categorias como entidades rígidas. Essas categorias foram ressaltadas pela historiografia há 35 anos e, naquele momento, foram um passo importante para as investigações acerca da eugenia. E, como disse no início, foram fruto de um grande projeto coletivo de comparação.
No momento, eu estou desenvolvendo um projeto comparativo entre a eugenia nos Estados Unidos e no Brasil com o objetivo, por assim dizer, inverso: ou seja, ao invés de procurar as diferenças entre a eugenia anglo-saxônica e a eugenia latina, tenho pesquisado processos que possam ser aproximados nos dois países. E estou fazendo isso a partir da investigação de escolas agrícolas: no caso dos EUA, a Faculdade de Agricultura da Universidade de Illinois, um estado do Meio Oeste, bem no início do século XX, e, no caso do Brasil, a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, na virada dos anos 1920.
Para minha surpresa – e fazer história é estar preparado para as surpresas –, o principal nome da Faculdade de Agricultura da Universidade de Illinois, Eugene Davenport (1856-1941), teve uma postura muito mais próxima de uma educação para a democracia, aos moldes do importante educador John Dewey (1859-1952), do que de uma eugenia tal como a defendida pelo seu quase homônimo Charles Davenport (1866-1944), um eugenista extremamente racista e radical. Ou seja, o Eugene não se encaixa na visão que costumamos ter da eugenia dos EUA.
E, por sua vez, na Esalq, fui me deparar com o eugenista Salvador de Toledo Piza Junior (1898-1988), que sustentava a visão de que brancos e pretos pertenciam não apenas a raças, mas a espécies distintas, de modo que a mistura racial seria deletéria para o país. Portanto, esse professor destoa da visão que temos da eugenia no Brasil que, em geral, valorizou a miscigenação, mesmo que com o argumento de que seria uma via para o branqueamento. A propósito, Piza Junior foi estudado por Paula Habib, na sua tese de doutorado defendida no PPGHCS, em 2010, e, atualmente, é investigado pelo pós-doutorando da COC, Guilherme Roitberg, que, aliás, tem argumentado que a militância eugenista e racista desse infame professor atravessou as décadas. (Leia em HCS-Manguinhos v. 30, 2023: Entre a divulgação científica e a eugenia tardia: rupturas e permanências na trajetória intelectual de Salvador de Toledo Piza Jr., 1898-1988)
Blog de HCS-Manguinhos: No resumo da sua apresentação no Encontro às Quintas, lemos que “a partir dos anos 1940, a mistura racial tornou-se central para o desenvolvimento de uma ‘zootecnia tropical’ e para a formação do rebanho bovino no país.” Poderia explicar essa relação?
Robert Wegner: Diferentemente de Salvador de Toledo Piza Junior, seu colega na Esalq, Octávio Domingues (1897-1972), foi um ardoroso defensor da miscigenação. Além disso, a partir dos pressupostos da genética e do conhecimento que tinha das leis da hereditariedade de Mendel, ele julgava que estava muito mais qualificado para falar do assunto do que, por exemplo, Gilberto Freyre (1900-1987) ou Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Para ele, a história ou a sociologia não eram capazes de explicar o porquê de a mistura racial ser positiva para a formação da população brasileira. Inclusive, em 1938, ele tentou publicar um livro intitulado “O mestiçamento brasileiro”, em uma coleção dirigida pelo médico e antropólogo Arthur Ramos, sem, contudo, obter êxito. Ele atribuiu o fracasso ao domínio que os cientistas sociais tinham sobre os veículos editoriais e a imprensa do país. Vale ressaltar que, independentemente de suas idiossincrasias, a postura de Domingues é uma demonstração de que os eugenistas, baseados em conhecimentos básicos sobre as leis de Mendel e na genética, acreditavam que poderiam ser uma voz de autoridade científica.
Bom, mas respondendo a sua pergunta mais diretamente, o curioso é que, após os anos 1940, ele deixou de abordar a miscigenação, provavelmente por causa da sua desilusão, por não ter se sentido ouvido pelos cientistas sociais. Contudo, como um zootecnista que era, passou a militar pela importância da mistura racial para a formação dos rebanhos bovinos brasileiros, especialmente por meio da mistura do gado caracu, que teve origem nos primeiros bois trazidos pelos portugueses, com o boi zebu, de origem indiana. Ele criticava a importação do gado europeu, que estava em voga, e considerava que a mistura do boi local e o boi de origem indiana era a mais adequada ao clima tropical. Daí ele defender que era necessário criar no Brasil uma Zootecnia Tropical, ou seja, uma ciência adequada à realidade brasileira. Vale ressaltar a similaridade do argumento de Domingues em torno da importância da mistura racial, seja quando estava imerso nos debates eugenistas seja quando se dedicou exclusivamente ao projeto econômico de expansão dos rebanhos bovinos do país.
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Sobre o Encontro às Quintas – A história da eugenia em perspectiva comparada Brasil-EUA

Ayah Nuriddin
Com a temática “A história da eugenia em perspectiva comparada Brasil-EUA”, o Encontro às Quintas de 6/11 também contará com a participação online da professora de História da Medicina da Universidade de Yale, Ayah Nuriddin, que fará a conferência Semente e Solo: Pensamento Eugênico Negro nos Séculos 19 e 20. A pesquisadora analisará o conceito de eugenia negra, desenvolvido por intelectuais e ativistas afro-americanos, que utilizaram ideias de hereditariedade, reforma social, controle reprodutivo e saúde pública como estratégias de elevação racial e emancipação. A participação presencial ficará a cargo dos pesquisadores da COC/Fiocruz Robert Wegner e Juliana Manzoni Cavalcanti (mediação). O evento será às 10h, na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), no Rio de Janeiro. Saiba mais.
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Sobre eugenia, leia no Blog e na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos:























