Gabriel Lopes em busca de impacto no caminho da ciência aberta

Agosto/2025

ENTREVISTA | Gabriel Lopes

Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Gabriel Lopes. Foto de Vitor Vogel/COC/Fiocruz

Gabriel Lopes. Foto: Vitor Vogel/COC/Fiocruz

O novo coeditor-científico de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Gabriel Lopes, não é exatamente novo para nós, da equipe da revista. Para se ter uma ideia, até hoje, 13/08/2025, o nome dele aparece no título ou no subtítulo de publicações neste blog mais de 20 vezes!

Além de ser entrevistado e citado em matérias, Lopes passou os últimos anos muito ativo nas nossas redes sociais, através de curtidas e compartilhamentos que tanto nos ajudaram a atingir mais gente.

Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), ele atuará em conjunto com o editor-científico Marcos Cueto até o fim deste ano. Em janeiro de 2026, Lopes assumirá integralmente a editoria científica da revista por pelo menos quatro anos.

Para não perdermos a prática, recebemos nosso novo coeditor com mais um pedido de entrevista, porém, desta vez, com um tema incomum a um historiador: ele próprio. 

Blog de HCS-Manguinhos: Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional. Por que história? E por que história da ciência? E por que editoria-científica?

Gabriel Lopes: Meu interesse pela história se consolidou na adolescência, a partir da influência de um professor chamado Paulo Rogério, em Natal. Ele me desencorajou várias vezes, e chegou a pedir desculpas à minha mãe pela sua “má influência” na minha escolha de formação. Após a graduação, na UFRN, escrevi minha monografia sobre epidemias no estado do Rio Grande do Norte, ao final do século XIX e início do século XX. Essa decisão se deu ao acaso, a partir da disciplina História do Rio Grande do Norte, ministrado pela professora Denise Matos Monteiro, que mencionou temas pouco explorados até então nas monografias do bacharelado em história. Essa escolha orientou posteriormente as minhas decisões de tema de pesquisa no mestrado em História e Espaços na UFRN, no qual tive muito incentivo dos professores Raimundo Nonato Rocha e Hélder Viana do Nascimento – meu orientador durante o mestrado. Nesse período, descobri que a história da saúde era um tema privilegiado na conformação das espacialidades e serviu de grande estímulo para pensar as perspectivas internacionais e globais da saúde durante o doutorado no PPGHCS na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, orientado pela professora Magali Romero Sá. 

Desde o mestrado, tive muita curiosidade pela parte teórica da história das ciências, em especial por temas que estavam em ebulição no início do século XX, como os Science Studies e a questão das novas formas de agenciamento, em múltiplas escalas, na história. Por um acaso, comecei a me corresponder com o professor Carlos Alvarez Maia, da UERJ – para tirar algumas dúvidas sobre o tema. Após a troca de diversas mensagens, o professor Carlos se tornou uma grande influência para pensar aspectos teóricos e até mesmo especulativos na história das ciências. De maneira inusitada, ele me colocou em contato com a professora Magali, do PPGHCS.

Após o doutorado, o professor Marcos Cueto foi uma grande influência na minha maneira de compreender aspectos da história da saúde em perspectiva global e consequentemente estudos voltados para a história da Fundação Rockefeller em perspectiva transnacional. O trabalho com o professor Marcos Cueto em pesquisas sobre esses temas me levou a conhecer melhor aspectos do trabalho editorial que me deixaram interessados em saber cada vez mais sobre o funcionamento de uma revista científica.

Meu interesse sobre o processo editorial não está separado da minha atuação como parecerista e autor de resenhas – atividades que realizei de forma intensa após o fim do doutorado. Além disso, a curiosidade sobre as diversas etapas do trabalho editorial, o elaborado processo de quem está do outro lado da publicação, me fez querer conhecer cada vez mais sobre esse processo, não apenas em relação aos periódicos, mas também em relação aos livros acadêmicos.  Na publicação do meu livro O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), pela editora Fiocruz, por exemplo, o contato com o professor Gilberto Hochman (editor-científico da Editora Fiocruz) me fez observar alguns importantes aspectos do trabalho editorial que passei admirar cada vez mais. Outras pessoas que fui conhecendo no processo de pesquisa, publicação de artigos, resenhas e emissão de pareceres também foram importantes para estimular a minha curiosidade e admiração pelo processo editorial de forma ampla, seja no trabalho de editoração de revistas científicas, como Nelson Sanjad e Regina Horta Duarte; na editoração de resenhas de livros, como Carolina Vimieiro Gomes; na editoria-executiva, como Roberta Cerqueira; e no trabalho de revisão, como Allan Alves. 

Observando a minha trajetória, a editoria científica me parece um desdobramento natural de uma trajetória marcada pelo diálogo constante entre pesquisa, formação de redes e comunicação do conhecimento.

Como você vê o papel dos periódicos em ciências humanas hoje?

Apesar das dificuldades, como a sustentabilidade financeira e a profissionalização, os periódicos cumprem uma função que ultrapassa seu já consagrado papel de divulgação do conhecimento. Eles são essenciais para a formação e aprimoramento de pesquisadores, oferecendo modelos de rigor metodológico, inspiração temática e abordagens teóricas. Também fomentam redes acadêmicas, conectando autores e instituições. Além disso, como no caso da história, os periódicos são fundamentais para organizar debates inicialmente dispersos, conferindo-lhes clareza, legitimidade, ajudando muitas vezes a galvanizarem novos campos de investigação, como a história da saúde global e a história dos animais, por exemplo. Porém, para manterem-se relevantes, os periódicos precisam adaptar-se criativamente a novas demandas, mas sem renunciar a valores fundamentais, como transparência, acessibilidade, buscando sempre reafirmar virtudes epistêmicas como o rigor, a honestidade intelectual e a clareza metodológica.

Quais os principais desafios para uma revista acadêmica de História da Ciência e da Saúde num mundo digital e online?

Um dos grandes desafios atuais reside na necessidade de equilibrar avanços tecnológicos com princípios acadêmicos fundamentais. As ferramentas de inteligência artificial generativa trazem possibilidades inéditas, mas exigem critérios claros para seu uso responsável na produção do conhecimento. Paralelamente, a implementação de sistemas de avaliação aberta por pares demanda novos modelos que preservem o rigor metodológico, sem renunciar à transparência.

Persiste, como desafio fundamental, a necessidade de consolidar os princípios da ciência aberta frente à crescente concentração e mercantilização do espaço editorial acadêmico, garantindo que pesquisas desenvolvidas com investimento público, especialmente aquelas que dependem de arquivos e acervos coletivos, permaneçam efetivamente acessíveis como patrimônio da sociedade, resistindo à lógica de mercantilização do conhecimento.

Esses três eixos – o impacto das novas tecnologias, a evolução dos processos de avaliação e a defesa do conhecimento como bem comum – se relacionam a uma mesma questão central: como preservar a integridade e a função social da pesquisa acadêmica em tempos de transformação digital e pressões comerciais crescentes do meio digital e online.

Como pretende contribuir para a revista HCS-Manguinhos até o fim de 2025 e nos quatro anos seguintes?

Em 2025, nesta primeira fase de coeditoria com Marcos Cueto, meu foco é aprofundar meu conhecimento sobre o processo editorial da HCS-Manguinhos em sua totalidade, integrando-me plenamente à equipe e acompanhando com atenção cada etapa do fluxo editorial.

A revista celebrou seus 30 anos em 2024 com o debate “Ciência aberta e os periódicos científicos de ciências humanas”, um marco que reforça o compromisso da publicação com a inovação e a democratização do conhecimento. Inspirado por essas discussões, pretendo consolidar e ampliar o trabalho já desenvolvido pela equipe, com ênfase no fortalecimento da ciência aberta e buscando expandir a divulgação e alcance da Manguinhos, potencializando seu impacto junto a pesquisadores, instituições e o público geral interessado em história das ciências e da saúde.

Conte algum interesse pessoal para nossos leitores?

Recentemente tenho lido com muito entusiasmo dois filósofos do sul global que ainda não são muito difundidos – o argentino radicado no Brasil Julio Cabrera e o sul-africano David Benatar. Além disso, eu e a minha esposa Ana recentemente incorporamos duas gatas à nossa família – Brigite Lispector (mãe) e Nath Ciganinha (filha).

Leia mais sobre Gabriel Lopes no Blog de HCS-Manguinhos

Leia na revista HCS-Manguinhos:

O coelho é a saúva: a proposta brasileira e o uso do vírus do mixoma (MYXV) contra a praga de coelhos na Austrália, 1896-1952, artigo de Gabriel Lopes e Jorge Tibilletti de Lara (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 28, supl., dez/2021)

Anopheles gambiae no Brasil: antecedentes para um “alastramento silencioso”, 1930-1932 , artigo de Gabriel Lopes (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 26, n.3, jul./set. 2019)

Um experimento de erradicação do Anopheles gambiae no Brasil, 1930-1940, resenha de Rodrigo César Magalhães (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 28, n. 1, mar/2021) sobre o livro O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), Editora Fiocruz, 2020, de Gabriel Lopes