Outubro/2024
Robert Wegner, Vanderlei Sebastião de Souza e Leonardo Dallacqua Carvalho
No último mês de maio de 2024 faleceu o historiador norte-americano Mark Adams, aos 79 anos. Adams foi um brilhante historiador das ciências, com pesquisas e publicações que são referências internacionais para a história da biologia evolutiva, especialmente seus trabalhos sobre história da genética e da eugenia, áreas nas quais dedicou boa parte de sua vida acadêmica e intelectual. Suas contribuições de pesquisa também foram importantes nas discussões sobre o futurismo científico, as relações entre literatura e ficção científica, as controvérsias entre ciência e religião e entre natureza e cultura.
Formado em história das Ciências pela Universidade de Harvard, Mark Adams atuava desde 1969 no Departamento de História e Sociologia das Ciências da Universidade da Pennsylvania, em um período em que a universidade se consolidou como um centro de referência em Social Studies of Science. Especialista em história da biologia na Rússia, inclusive com a organização de um belo livro sobre a biografia intelectual do geneticista russo Theodosius Dobzhansky, Adams se notabilizou pelos estudos comparativos das ciências em diferentes contextos nacionais, pela circulação internacional das ideias e pelas relações entre ciência e política, sempre preocupado em compreender os fundamentos e condicionantes sociais e culturais que mobilizam a produção do conhecimento científico.
A contribuição mais importante de Mark Adams, inclusive para os historiadores brasileiros, foi, sem dúvida suas pesquisas sobre história da eugenia. Seus longos estudos em torno do movimento eugênico na Rússia Soviética durante o Stalinismo permitiram que avançássemos nas distinções existentes entre a eugenia em diferentes países, sobretudo quando analisada a partir dos paradigmas britânico e norte-americano. A partir daí, Adams passou a projetar uma ampla história comparativa da eugenia, buscando explorar tanto as diferenças nacionais quanto considerar a eugenia como um objeto de pesquisa estratégico para investigar questões relevantes aos Social Studies of Science. Mark Adams entendia que, como a eugenia emergia de uma forte interface entre ciência e sociedade, a história da eugenia parecia um objeto privilegiado para examinar as interações entre a ciência, política e sociedade, ciência e cultura, ciência e religião.
Mark Adams foi também um grande professor e gestor de grupos de pesquisa; tanto é assim que suas principais publicações são oriundas de pesquisas coletivas ou seminários promovidos e organizados por ele. Nesse sentido, desde 1973, Adams passou a promover cursos e seminários que reuniam pesquisadores interessados em um grupo de estudos sobre a história da eugenia, vista até então como um objeto de pouco interesse da comunidade de historiadores. Na década seguinte, o projeto começou a ganhar densidade em um workshop realizado em 1983, intitulado “The history of eugenics: work in progress”, cujo propósito era estimular os estudos comparativos da eugenia em diferentes contextos nacionais. O workshop contou com a participação de pesquisadores como Garland Allen, Richard Burian, Daniel Kevles, Pauline Mazumdar, Diane Paul, Charles Rosenberg, além de autores que viriam a participar do livro The Wellborn Science, publicado em 1990, entre eles Sheila Faith Weiss, com um capítulo sobre a Alemanha; William H. Schneider, escrevendo sobre a França; Nancy Leys Stepan, que aborda o Brasil; além do próprio Mark Adams, com seu capítulo sobre a Rússia. O livro inclui uma introdução e uma conclusão de autoria do coordenador do projeto. Nesses textos, Adams discute, de forma mais ampla, o projeto de história comparativa da eugenia e seus primeiros resultados mais efetivos.
Para nós, historiadores brasileiros, o livro editado por Mark Adams apresentou uma série de contribuições teóricas e metodológicas para pensar a eugenia no Brasil e compreender as especificidades do movimento eugênico, assim como seus diálogos e distanciamentos internacionais. Em primeiro lugar, é importante destacar que o artigo de Nancy Stepan sobre o Brasil abriu uma ampla agenda de pesquisa e se consolidou como a principal referência historiográfica. Embora o conceito de “eugenia latina”, formulado por Stepan para caracterizar a eugenia brasileira em oposição à eugenia anglo-saxônica, possa ser debatido e questionado, esse conceito permitiu problematizar os usos da eugenia no Brasil e na América Latina a partir dos contextos nacionais ou regionais particulares, levando em consideração as ideologias políticas e raciais locais, bem como o pensamento científico e intelectual e as questões culturais próprias da região.
O livro editado por Adams também permitiu desmontar mitos, equívocos e estereótipos que limitaram nosso interesse ou entendimento sobre a história da eugenia. Aprendemos com esse historiador que a eugenia não foi um movimento coerente ou singular, com objetivos e crenças comuns, mas se construiu de acordo com as ideologias e tradições científicas locais; que não foi intrinsecamente dependente das teorias da genética mendeliana; que não foi uma pseudociência, uma vez que suas teorias ocuparam uma agenda importante das ciências médicas e biológicas do período; que não se resumia ao nazismo ou aos discursos reacionários de governos fascistas, mas que ela também ocupou espaço nos projetos de governos liberais, sociais-democratas e até mesmo socialistas ou comunistas.
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