Maio/2022
A premissa de que as ciências modernas teriam um lugar fixo de nascimento – a Europa Ocidental – tem sido colocada em xeque a partir do conceito de circulação formulado por Kapil Raj, pesquisador de História da Ciência na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Ehess), que abriu novas possibilidades de reflexão sobre a construção de conhecimento em áreas coloniais do Novo Mundo durante a Época Moderna.
Artigo de Heloisa Meireles Gesteira, pesquisadora titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), publicado na atual edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 29, n. 1, jan-mar 2022), reforça uma abordagem metodológica proposta por Raj ao explorar formas de construção do conhecimento sobre a flora da América do Sul a partir do estudo de registros sobre plantas e ervas de médicos, agentes de cura, missionários e administradores coloniais nos séculos XVII e XVIII.
No artigo O trânsito de plantas: circulação de saberes e práticas médicas na América Meridional durante a Época Moderna, a historiadora analisa documentos que demonstram o processo de observação, coleta, sistematização e circulação do conhecimento e a influência da história natural e da tradição hipocrática na classificação das ervas e plantas.
“Desde livros impressos até anotações dispersas em diários de viagens, os usos das espécies para a vida humana foi o elemento valorizado por aqueles que observaram diretamente o potencial de plantas, frutos e ervas americanas”, afirma a autora no artigo.
Segundo Gesteira, “mais do que um conceito, a ideia de circulação conforme definida por Kapil Raj, ao questionar paradigmas da história das ciências, oferece-nos uma abordagem metodológica rica para tratar as práticas medicinais americanas e todos os agentes nelas envolvidos – cada um a seu modo – como indivíduos que participaram, em escalas diferentes, da construção do conhecimento sobre a história natural e sobre a medicina durante a Época Moderna.”
Ela acrescenta que as ciências se formam numa constante troca e que os indivíduos envolvidos têm papel de produtores de conhecimento, ainda que numa rede hierárquica e assimétrica, na qual as instituições metropolitanas europeias fazem fluir para si os dados e resultados obtidos, num longo processo de apropriação e acumulação.
Leia na revista HCS-Manguinhos:
O trânsito de plantas: circulação de saberes e práticas médicas na América Meridional durante a Época Moderna, artigo de Heloisa Meireles Gesteira (HCS-Manguinhos, v. 29, n. 1, jan-mar 2022)
Leia também na revista HCS-Manguinhos:
Natureza e comércio no norte do Brasil: o “Discurso sobre os gêneros para o comércio, que há no Maranhão e Pará” de Duarte Ribeiro de Macedo (1633), artigo de Janaina Salvador Cardoso (HCS-Manguinhos, v. 29, n.1, jan/mar 2022)
Saborosos, sadios e digestivos: o discurso médico presente no consumo de frutos, conservas e compotas na América portuguesa do século XVI, artigo de Julianna Morcelli Oliveros e Christian Fausto Moraes dos Santos (vol. 24, n. 4, out./dez. 2017)
“Plantas novas que os doutos não conhecem”: a exploração científica da natureza no Oriente português, 1768-1808, artigo de Magnus Roberto de Mello Pereira ( vol. 24, n.3, jul./set. 2017)
Evidências da circulação de conhecimento filosófico-natural sobre o Brasil em um manuscrito de 1763 de António Nunes Ribeiro Sanches, artigo de Gisele C. Conceição ( vol. 24, n. 2, abr./jun. 2017)
A abordagem historiográfica dos séculos XIX e XX sobre a atuação de médicos e boticários jesuítas na América platina no século XVIII – artigo de Eliane Cristina Deckmann Fleck ( vol .21 n. 2 abr./jun. 2014)
O inventário das curiosidades botânicas da Nouvelle France de Pierre-François-Xavier de Charlevoix (1744), artigo de Michel Kobelinski ( vol. 20, n. 1, mar 2013)
Antônio Moniz de Souza, o ‘Homem da Natureza Brasileira’: ciência e plantas medicinais no início do século XIX, artigo de Laura Carvalho dos Santos ( vol. 15, n. 4, dez 2008)
E no Blog de HCS-Manguinhos:
Natureza e comércio no norte do Brasil no século XVII
Transcrição de Discurso do português Duarte Ribeiro de Macedo de 1633 revela riquezas naturais e circulação de conhecimentos
Frutas e compotas para a saúde do colonizador
Artigo em HCS-Manguinhos analisa o discurso médico presente no consumo de frutas, doces e conservas na América portuguesa do século XVI
Boletim da SBHC traz entrevista com Kapil Raj
Professor de História da Ciência na École des Hautes Études en Sciences Sociales fala sobre a sua teoria sobre a circulação de conhecimentos em entrevista ao historiador Matheus Alves Duarte da Silva