Epidemias e carnaval: morte e alegria através dos séculos

Fevereiro/2021

Aquele Carnaval foi, também, e sobretudo, uma vingança dos mortos
mal vestidos, mal chorados e, por fim, mal enterrados.

Nelson Rodrigues, 1967, sobre o carnaval de 1919

A Espanhola está aí
A Espanhola está aí
A coisa não está brincadeira
Quem tiver medo de morrer não venha
Mais à Penha
Marchinha de Caninha, 1918

As citações acima estão no artigo O Carnaval, a peste e a ‘espanhola’, de Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 13, n.1, jan./mar. 2006). O texto discute as semelhanças das atitudes das pessoas perante as epidemias de peste na Europa e de gripe espanhola no Brasil em 1918.

Segundo o autor, entre as semelhanças, além da banalidade da morte explicitada por Nelson Rodrigues, estão a perda dos laços comunitários, a ruptura das normas sociais, a fuga, o medo e a surpreendente alegria.

“Durante a Peste Negra, de acordo com os relatos, aconteceu a busca desenfreada pelo prazer. No Rio de Janeiro, no Carnaval de 1919, tivemos uma festa, onde antes havia medo e morte. Segundo a descrição dos sobreviventes e vítimas da peste e da gripe, o medo e a presença avassaladora da morte levavam à alteração das normas sociais durante as epidemias – até mesmo expondo-se as pessoas aos perigos de um contágio. No entanto, o prazer marcava os momentos que poderiam ser os últimos da vida”, conta Santos.

De acordo com o pesquisador, apesar das diferenças de tempo e espaço, ocorrem manifestações simbólicas coletivas comuns nas epidemias, como a associação entre doença e castigo divino. “De forma análoga, indivíduos de comportamento ‘suspeito’ foram e são apontados como propagadores do mal, sejam pobres, judeus, irlandeses ou negros. Mas, existe um elemento sempre constante: o medo. Uma presença avassaladora”, relata.

Outra marchinha destacada pelo autor fez sucesso em 1912. Pouco antes do carnaval, havia morrido o ministro das Relações Exteriores. Para homenageá-lo, o governo determinou que o Carnaval fosse adiado para abril, mas não adiantou, e o povo brincou duas vezes: “Com a morte do Barão/ tivemos dois carnavá/ Ai que bom, ai que gostoso/ Se morresse o Marechá”. O ‘Marechá’ era o presidente, marechal Hermes da Fonseca.

Leitura para estimular reflexões nesse carnaval da Covid-19.

Leia em HCS-Manguinhos:

O Carnaval, a peste e a ‘espanhola’, artigo de Ricardo Augusto dos Santos (v.13, n.1, jan./mar. 2006)