Dezembro/2020
Doença que causa feridas que não cicatrizam pelo corpo todo, a leishmaniose tegumentar americana emergiu como grande problema de saúde pública na região amazônica nos anos 1970. Em Manaus, enquanto a doença irrompia de forma epidêmica, pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical, da Universidade do Amazonas e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia investigavam os vetores e parasitos responsáveis pela proliferação dos casos, faziam experiências com novas drogas para tratá-los e discutiam medidas para minimizar os efeitos da epidemia.
No artigo Saúde, ciência e desenvolvimento: a emergência da leishmaniose tegumentar americana como desafio médico-sanitário no Amazonas (HCS-Manguinhos, v. 27, n. 3, jul/set 2020), Cláudio de Oliveira Peixoto, analista de gestão em saúde do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), analisa historicamente a emergência da doença na região desde a década de 1970. A partir da análise documental de leis, produção científica, relatórios de pesquisa, boletins epidemiológicos e jornais, o autor aborda as medidas sanitárias e os estudos científicos realizados no contexto de implantação dos principais projetos de desenvolvimento regionais executados em nome da política de integração nacional do governo federal.
Peixoto explica que o aumento da incidência da doença estava associado a mudanças econômicas e políticas que causaram profundas alterações socioambientais, urbanas e demográficas. No artigo, ele relaciona os dados epidemiológicos com a criação da Zona Franca de Manaus (1967), a construção das rodovias Manaus-Itacoatiara – AM-010 (1965) e Manaus-Boa Vista – BR-174 (1978), a exploração mineral em Pitinga (1982) e às obras da hidrelétrica de Balbina (1988) e do gasoduto Coari-Manaus (2006).
O autor afirma que, além de afetar a fauna, a flora e os recursos minerais, o modelo modificou o modo de vida sociocultural e econômico dos ribeirinhos e das comunidades indígenas, levando à degradação de suas condições de saúde e saneamento e tornando-os muito mais vulneráveis a epidemias de doenças infectoparasitárias.
O autor vê semelhanças entre os surtos ligados à implantação de grandes projetos na Amazônia e os do início do século XX em São Paulo, durante a construção de uma estrada de ferro. “Nos dois casos, as epidemias de leishmanioses cutânea e mucocutânea têm ligação com a presença de humanos nas matas e com os desmatamentos de extensas áreas florestais para grandes obras”, afirma. Segundo Peixoto, apesar dos grandes avanços no entendimento de diversos aspectos das leishmanioses nas últimas décadas, as ações do poder público para transformar esse conhecimento em medidas efetivas de controle e redução dos casos da endemia têm sido muito tímidas.
Leia em HCS-Manguinhos:
Saúde, ciência e desenvolvimento: a emergência da leishmaniose tegumentar americana como desafio médico-sanitário no Amazonas, artigo de Cláudio de Oliveira Peixoto (v. 27, n. 3, jul/set 2020)
Leia no Blog de HCS-Manguinhos:
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