Junho/2020
Roberta Cardoso Cerqueira *
Neste mês de junho a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos completa sete anos de presença intensa nas redes sociais. Pioneira em divulgar seus artigos por meio de dois blogs (nacional e internacional), dois perfis no Facebook (nacional e internacional) e no Twitter, a revista transformou essa atividade em mais uma etapa na edição do periódico.
Há sete anos, quando decidimos usar as mídias sociais, o virologista Átila Iamarino foi um de nossos primeiros entrevistados. Em abril de 2013, Átila conversou conosco sobre as oportunidades que a divulgação de resultados da pesquisa científica poderia trazer com o uso das redes sociais.
A entrevista ‘caiu na rede’ em junho do mesmo ano, quando lançávamos o blog e os perfis de HCSM na web[1].
Naquele momento, um de nossos maiores desafios era driblar a desconfiança acadêmica em relação ao uso do Facebook e do Twitter. Muitos pesquisadores não acreditavam ser possível a divulgação de temas complexos, cujo interesse julgavam ser somente da comunidade de pares. Mas, ao conseguirmos extrapolar essa comunicação, falamos também para especialistas de outras áreas, familiarizados com os métodos científicos, e que por atuarem em campos disciplinares distintos podem ser considerados da mesma forma leigos. A pouca valorização do trabalho de divulgação científica no currículo lattes também contribuiu para que muitos pesquisadores fossem reticentes em relação à proposta. Este é um aspecto que ainda prevalece, pois, a produção de textos para blogs, a elaboração de podcasts, vídeos e entrevistas continuam desvalorizadas na avaliação de currículos e concursos. Quem sabe, depois da experiência com tantas lives e ensaios produzidos por causa da Covid-19, não possamos reavaliar a importância desta produção?
Como “editores analógicos” poderiam enfrentar os desafios e as inúmeras possibilidades de divulgar uma revista científica no universo digital? E como fazê-lo? Por onde começar? Qual modelo seguir? Quais cuidados deveríamos ter? [2] Valeria a pena? A partir das sugestões e comentários de Iamarino, seguimos na produção do conteúdo para o blog e estivemos atentos aos outros ‘usos’ que as redes sociais ainda podem proporcionar à revista. Nestes sete anos, a presença de HCSM nas redes sociais transformou o blog em importante veículo de comunicação entre autores, leitores e editores de história e de outras áreas disciplinares. Com a regularidade das matérias e o aperfeiçoamento das postagens no Facebook e no Twitter, pesquisadores têm procurado a revista para divulgar pequenos textos, ensaios e comentários de suas pesquisas. A abertura deste canal de divulgação atrai não só pesquisadores brasileiros, mas acadêmicos de outras regiões que percebem no blog um aliado na comunicação com um público que é formado não só de especialistas.
A série que inaugurou as redes sociais da revista tratava de acontecimento marcante de 2013, as jornadas de junho, como ficariam conhecidas posteriormente. Convidamos historiadores para analisar estes protestos que começaram pela exigência da redução das tarifas de passagens de ônibus e logo alcançaram uma pauta mais diversa, como a corrupção e os gastos públicos em grandes eventos esportivos, tendo as redes sociais, em especial o Facebook, como propulsor. Desta maneira instituíamos uma das ações que comporiam o trabalho de divulgação dos artigos de HCSM, a articulação entre historiadores e os temas que pesquisam à luz de acontecimentos presentes. Mais uma oportunidade para os pesquisadores apresentarem suas pesquisas à sociedade.
Foi assim que trouxemos outros temas à discussão, como as disputas eleitorais nos países latino-americanos, os 25 anos da revista, o incêndio do Museu Nacional e mais recentemente – e ainda em produção – , a série sobre o novo coronavírus intitulada “História e coronavírus” disponível em www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/category/historia-e-coronavirus/.
O olhar de historiadores e historiadoras sobre a pandemia constituirá material de consulta para os futuros pesquisadores, que terão os arquivos e textos digitais como uma de suas fontes principais. Com o desenvolvimento deste trabalho, observamos o avanço de movimentos negacionistas e a divulgação de uma enxurrada de notícias falsas que se propagam com uma enorme velocidade na web. No combate às mentiras, pensamos que a divulgação dos artigos científicos, com dados de pesquisa, fontes confiáveis e a oportunidade para os autores de falarem um pouco mais sobre seus estudos se convertem em bons instrumentos contra a disseminação de informações falsas.
Muitos periódicos científicos de história têm investido na promoção de seus artigos nas redes sociais e juntam-se a nós com iniciativas que vão além das matérias e entrevistas, e incorporam vídeos, podcasts e presença em outras plataformas como o instagram, mesmo com os cortes cada vez maiores em seus orçamentos.
De forma mais ampla, acompanhamos o aumento significativo de projetos de divulgação científica de história, ao mesmo tempo em que os estudos e o debate sobre história pública ganham força com a publicação de livros, artigos e a realização de congressos. Nascida em meados dos anos 1970, nos Estados Unidos, a história pública se desenvolveu mais intensamente no Brasil a partir de 2011. De acordo com Ana Paula Tavares e Bruno Leal, um dos fatores responsáveis por sua consolidação recente no país se relaciona aos desafios que o campo historiográfico tem enfrentado, como os ataques às instituições públicas de ensino e pesquisa, o negacionismo, a defesa da ditadura e o anticientificismo (Tavares, Leal, 2018, p.19).
O movimento da história pública é ancorado em três aspectos: a comunicação da história a um público não acadêmico, a participação pública na construção de conteúdos históricos e a aplicação da metodologia da história nas questões do tempo presente (Cauvin, 2018, p.04) em meio às diversas possibilidades trazidas com a expansão da internet.
Para quem ainda desconfia dos resultados divulgados por Átila em suas lives ou supõe que ele seja um novato na divulgação de estudos científicos, convidamos a revisitar sua entrevista para compreender um pouco melhor o trabalho de divulgadores em qualquer campo disciplinar. Ao tornar público o cotidiano de suas pesquisas e o dia-a-dia de seus laboratórios, com aparições em programas de entrevistas, vídeos, matérias em jornais e blogs, esses pesquisadores e pesquisadoras colaboram para o aumento da visibilidade da ciência produzida nas universidades e instituições de pesquisa pelo Brasil e pelo mundo. Artigos científicos são direcionados a especialistas que validam o conhecimento publicado nos periódicos, ao debatê-los nas redes, em programas de rádio e televisão, divulgadores trabalham para que este conteúdo não se restrinja ao ambiente acadêmico. Há ainda um facilitador para a divulgação, por adotarem o modelo de acesso aberto, as publicações brasileiras permitem compartilhamos e fazermos outros usos dos artigos sem custos. Neste sentido, seguimos em oposição a algumas afirmações do lobby editorial de que o público em geral não tem interesse em ler artigos científicos ou não os entenderia (Suber, 2015, p.84).
Afinal, podemos confirmar a decisão acertada da revista em usar as mídias sociais, como o próprio Átila ratificou quando nos disse que poderíamos “servir de exemplo para muitos periódicos e instituições que ainda estão relutantes em abraçar novas tecnologias”. A sua experiência no uso da internet para a promoção da pesquisa científica o levava a acreditar nos bons resultados que História, Ciências, Saúde – Manguinhos teria com o projeto. Estes bons resultados são observados nas análises mais recentes sobre os acessos aos nossos conteúdos, da ordem de mil visitas diárias ao blog, com quase dez mil seguidores no Facebook nacional e quase 5 mil no internacional, além de 2.600 seguidores no Twitter.
O trabalho de divulgação da revistas nas redes também já foi objeto de pesquisas acadêmicas, como os mestrados de Kátia Kishi, defendido no Labjor/Unicamp em 2017, e o de Marina Lemle Marcondes, defendido no Programa de Pós-Graduação em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz em 2018. A repercussão das matérias sobre a Covid-19, os índices altmétricos – registrados não só por revistas acadêmicas, como pelas editoras de livros -, os compartilhamentos no Facebook e as replicações no Twitter reforçam o papel importante das revistas científicas para a divulgação de informações confiáveis e para a promoção do conhecimento histórico.
* Roberta Cardoso Cerqueira é editora-executiva da revista História, Ciências, Saúde -Manguinhos.
Referências bibliográficas:
BENCHIMOL, Jaime L.; CERQUEIRA, Roberta C.; PAPI, Camilo. Desafios aos editores da área de humanidades no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e experiências. Educação e Pesquisa, v. 40, n. 2, p. 347–364, jun. 2014.
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de Carvalho; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares (editores). História pública e divulgação de história. São Paulo: Editora Letra e Voz, 2019.
CAUVIN, Thomas. The Rise of Public History: An International Perspective. Historia Crítica, n. 68, p. 3–26, abr. 2018.
CERQUEIRA, Roberta. Pesquisa divulgada é pesquisa publicada? A experiência de divulgação da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. In: CARVALHO, Bruno Leal Pastor de Carvalho; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares (editores). História pública e divulgação de história. São Paulo: Editora Letra e Voz, 2019.
IAMARINO, Átila. Internet: alto potencial, baixo custo. In: Blog Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Publicado em abril de 2013. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/internet-alto-potencial-baixo-custo/ . Acessado em 28 de maio de 2020.
KISHI, Kátia Harumy de Siqueira. Caminhos para a visibilidade internacional: um
estudo de caso sobre as estratégias de divulgação de três periódicos brasileiros de
Ciências Humanas. 2017. 248 p.). Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP. Disponível em:
<http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330917>. Acesso em: 24 jun 2020.
MARCONDES, Marina Lemle. Para pares e “ímpares”: a experiência da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos no Facebook. 2018. 183 f. Dissertação (Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, 2018. Disponível em https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/31108. Acesso em: 24 jun 2020.
[1] IAMARINO, Átila. Internet: alto potencial, baixo custo. In: Blog Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Publicado em abril de 2013. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/internet-alto-potencial-baixo-custo/ . Acessado em 28 de maio de 2020.
[2] Sobre a experiência de divulgação da revista nas redes sociais, ver: CERQUEIRA, Roberta. Pesquisa divulgada é pesquisa publicada? A experiência de divulgação da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. In: CARVALHO, Bruno Leal Pastor de Carvalho; TEIXEIRA, Ana Paula Tavares (editores). História pública e divulgação de história. São Paulo: Editora Letra e Voz, 2019 e BENCHIMOL, Jaime L.; CERQUEIRA, Roberta C.; PAPI, Camilo. Desafios aos editores da área de humanidades no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e experiências. Educação e Pesquisa, v. 40, n. 2, p. 347–364, jun. 2014.
Como citar este post:
CERQUEIRA, Roberta Cardoso. A arte de estar nas mídias sociais: dos artigos às curtidas. Blog de HCS-Manguinhos. Publicado em 23 de junho, 2020. Acesso em 23 de junho, 2020. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/a-arte-de-estar-nas-redes-sociais-dos-artigos-aos-likes
Leia no Blog de HCS-Manguinhos:
Pesquisadora estuda como três revistas referências em Ciências Humanas fazem divulgação científica em blogs e redes sociais
“A Manguinhos é o melhor dos casos, até mesmo entre as revistas que não são de humanidades”, afirma Kátia Kishi, mestra em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp
Do mimeógrafo às redes sociais, um caminho de acesso aberto
Editor de História, Ciências, Saúde – Manguinhos por mais duas décadas, o historiador Jaime Benchimol participou de workshop sobre revistas interdisciplinares na Fiocruz
Germana Barata: redes sociais são excelente estratégia para revistas científicas ampliarem seus públicos
Para a editora do blog Divulga Ciência, a comunicação científica pode ser um instrumento de diálogo com a sociedade
Internet: alto potencial, baixo custo
Para Atila Iamarino, em tempos de internet, a produção e curadoria de conteúdo passa em parte para os usuários, e os periódicos devem se adaptar
Leia também:
Desafios aos editores da área de humanidades no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e experiências, artigo de Jaime L. Benchimol, Roberta C. Cerqueira e Camilo Papi em Educação e Pesquisa (v. 40, n. 2, abr./jun. 2014)
Conta aí, mestre: revistas científicas, blogs e Facebook
Dados do SciELO, do blog e do Facebook da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos foram analisados pela jornalista Marina Lemle, que buscou compreender os caminhos trilhados pelo público e o potencial das redes sociais na comunicação e divulgação da ciência
Redes sociais e periodismo científico: desafios aos editores
Em entrevista ao Blog do Scielo, Jaime Benchimol, editor de HCS-Manguinhos, afirma que as publicações online são um ‘must’.
Você compartilha, eu curto e nós geramos métricas
Atila Iamarino fala sobre periódicos e comunicação científica no blogSciELO em Perspectiva