Abia recebe com cautela novo boletim epidemiológico da Aids

1º de dezembro/2018

Em 27 de novembro de 2018, em comemoração aos 30 anos do Dia Mundial de Luta contra a Aids, o Ministério da Saúde (MS) divulgou um novo Boletim Epidemiológico, destacando a queda no número de casos e de óbitos por Aids no país. Segundo o MS, a ampliação do acesso à testagem e redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento da doença são razões para a queda. Leia a notícia completa, baixe o boletim e veja a apresentação em saude.gov.br.

Para a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), o novo boletim epidemiológico constata bons resultados, mas, em nota, a entidade se posiciona, chamando a atenção para o fato que os números de detecção de HIV e mortalidade por Aids continuam altos.

“É preciso olhar os números com cautela. É possível comemorar com olhar crítico. Apesar da redução, a incidência e a mortalidade continuam muito altas no Brasil”, afirma Salvador Corrêa, coordenador de treinamento e capacitação da Abia. Corrêa observa que o boletim mantém a invisibilidade da população de travestis e trans – grupo em que as vulnerabilidades são evidentes a partir de pesquisas acadêmicas – e que um olhar regional mostra um crescimento preocupante na região Norte e nas mulheres grávidas do Sul. “O relatório aponta que questões raciais, de gênero e orientação sexual transcorrem a epidemia, trazendo um cenário desastroso para grupos vulnerabilizados”, diz.

Segue a nota da Abia:

ABIA recebe com cautela novo boletim epidemiológico e chama a atenção para onda conservadora que avança no país
A ABIA recebe com cautela o resultado do Boletim Epidemiológico – HIV AIDS 2018, divulgado nesta terça-feira (27/11) pela Secretaria de Vigilância e Saúde/Ministério da Saúde. A ABIA avalia como positiva as ações que resultaram no registro de queda no número de casos e óbitos por AIDS no país.

Para a ABIA, em razão do atual contexto conservador – e de retrocessos políticos, econômicos e culturais – investir na maior oferta de testagem e na incorporação do dolutegravir, entre outras medidas, são ações e políticas positivas capazes de influenciar na diminuição da taxa de mortalidade.

A ABIA reconhece que o novo boletim epidemiológico constata bons resultados, mas chama a atenção para o fato que os números de detecção de HIV e mortalidade por AIDS continuam altos – mais de 700 mil pessoas foram diagnosticadas com HIV de 2000 a junho de 2018 e ocorreram 4,8 óbitos para cada 100 mil habitantes no mesmo período.

Para nós, da ABIA, os números não se bastam por si mesmos. É preciso entender de que forma dialogam com as experiências vividas pelas populações mais vulneráveis. Onde está refletido, por exemplo, o sofrimento das pessoas que precisam esperar mais de um mês para serem vinculadas ao sistema de saúde pública?

Além disso, as regiões brasileiras continuam sendo afetadas pelo HIV e AIDS de forma diferenciada. A cidade de Porto Alegre é campeã na taxa de detecção de HIV em gestantes (7,6 vezes maior que a taxa nacional) e exibe mais que o dobro deste índice comparado a outras cidades do Rio Grande do Sul.

A ABIA lamenta que as populações mais vulneráveis permaneçam na linha de frente da epidemia. A maior concentração de casos continua sendo nos jovens gays e pessoas trans – sem qualquer evidência de avanços para estas populações, o que representa um fracasso grave para a resposta brasileira em face da epidemia nos grupos mais vulneráveis.

É também inaceitável que a população negra tenha tido um crescimento alarmante, com destaque para o ano 2017, quando houve um aumento de 57,3% de casos de AIDS entre homens negros e 61,1% entre mulheres negras. Estes dados confirmam as denúncias que a ABIA e outras instituições têm feito nos últimos anos: o avanço do conservadorismo responsável pelo aumento da marginalização por raça, classe e pela opressão sexual e de gênero em nosso país.

A ABIA vai continuar pressionando por respostas às seguintes perguntas:

Como fazer para que a taxa de mortalidade caia ainda mais num contexto em que há o avanço de políticas que separam quem vai viver ou quem vai ter acesso aos bens e aos direitos?

Como estes números podem melhorar num contexto de congelamento dos gastos públicos no campo da saúde nos próximos 20 anos?

Que políticas serão adotadas em diferentes regiões para evitar que populações deixem de correr o risco de desaparecer na pobreza, na miséria e nas doenças que sequer são diagnosticadas, entre elas o HIV?

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 2018

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS