Democracia no Brasil está em risco, afirma o historiador James N. Green

Novembro/2018

Marcos Cueto e Vivian Manheimmer | Blog de HCS-Manguinhos

James N. Green. Foto: Watson Institute for International and Public Affairs/Brown University

O resultado das últimas eleições coloca em risco a democracia no Brasil. É o que afirma James Naylor Green, professor de História Moderna da América Latina e diretor da Iniciativa Brasil na Brown University, EUA. Em entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos, Green analisa riscos para a saúde pública e as universidades e lança idéias sobre o futuro político do Brasil. O que aconteceu nas últimas eleições do Brasil? As eleições de 28 de outubro de 2018 foram as mais importantes da história do Brasil. E seus resultados indicam o maior perigo para a preservação da democracia no país. Jair Bolsonaro representa a onda de políticos autoritários de extrema-direita que atinge as Filipinas, Rússia, Polônia e Hungria. E há uma grande apreensão com processos semelhantes ocorrendo na Alemanha e Itália, sem falar nos governos conservadores da Argentina, Chile e Paraguai. A situação é preocupante para todos os que se importam com a democracia no Brasil. Em 1974, dez anos depois das forças armadas brasileiras tomarem o poder, os generais iniciaram uma transição lenta e controlada para a democracia, garantindo que aqueles que cometeram violações graves dos direitos humanos não seriam processados. Também queriam assegurar a manutenção do sistema socioeconômico defendido pelo regime militar. Mesmo assim, movimentos estudantis, trabalhistas e sociais impulsionaram o processo de democratização no final dos anos 70 e abriram caminho para mudanças mais radicais no Brasil, conquistando vitórias parciais em certas disposições incluídas na Constituição de 1988. A vitória da esquerda em 2002 e a expansão de alguns programas sociais, assim como o desenvolvimento de muitos outros, causaram uma mudança dramática na vida dos pobres no Brasil. Pela primeira vez na história do país, um governo estava interessado em resolver problemas socioeconômicos. Ao mesmo tempo, essas mudanças incomodavam grandes setores da classe média, que viam os direitos trabalhistas de suas empregadas, o acesso à universidade de filhas e filhos dessas mesmas domésticas, e a melhora na renda da classe baixa, como uma ameaça ao status quo. Há, certamente, muitas outras razões pelas quais Bolsonaro ganhou apoio: medo, ódio, homofobia, valores morais e religiosos conservadores, corrupção no governo, etc. No entanto, é interessante perceber dois fenômenos: o bloco PT/PSOL no Congresso não encolheu, enquanto a presença do MDB/PSDB diminuiu de forma significativa na Câmara dos Deputados. Além disso, Haddad obteve 45% dos votos (47 milhões), 1,5 milhão a mais que Dilma Rousseff. É verdade que, em parte, isso representa um voto anti-Bolsonaro que não é pró-PT, mas considerando o ataque geral contra a esquerda desde 2016, o partido obteve um bom resultado. Quais os perigos para os programas sociais desenvolvidos no Brasil nos últimos anos? Muitos acham que Bolsonaro apresentou um discurso radical durante a campanha eleitoral, mas acreditam que ele vai baixar o tom de sua retórica e adotar políticas mais moderadas quando tomar posse. Embora ele possa ser pressionado nessa direção para conseguir maioria no Congresso e poder aprovar suas medidas, acho que a tendência depois de 1º de janeiro de 2019 será a continuação do tom mordaz e posições radicais para mostrar à base de apoio que ele não vai abdicar de seus princípios pelo “toma lá dá cá” político. No entanto, ele enfrenta sérios problemas, já que muitos dos partidos de direita que o apoiaram no segundo turno foram acusados de corrupção e será muito difícil formar um governo de coalizão sem incluir várias dessas figuras obscuras em seu gabinete. Dito isso, acho que a saúde pública estará em risco com um esforço para subfinanciar o SUS e estimular a adesão a planos de saúde privados para cobrir as necessidades médicas básicas da população. Programas destinados a diminuir a desigualdade provavelmente também serão restringidos, receberão poucos recursos ou serão liderados por ministros conservadores, com noções conservadoras de saúde, educação e bem-estar. Outro setor que está em risco é o sistema universitário brasileiro, pois o presidente tentará coagir professores ou, pelo menos, estimular a perseguição utilizando leis contra os que criticam o governo ou abordam questões sociais em sala de aula. Alunos de direita começarão a filmar as aulas e acusar professores de inclinação política. Esses professores terão que contratar advogados para se protegerem. Isso terá um impacto enorme na qualidade do ensino superior. É verdade que o Supremo Tribunal Federal repreendeu recentemente o Tribunal Superior Eleitoral por autorizar a invasão em universidades brasileiras na véspera da última eleição para impedir que estudantes organizassem eventos sobre fascismo ou pendurassem bandeiras antifascistas. No entanto, não há garantias de que o STF continuará firme na proteção à liberdade de cátedra e autonomia universitária caso seja pressionado pelo novo governo de Jair Bolsonaro. Como você vê o futuro político do Brasil? Os historiadores são muito bons em prever o passado, mas não tão bons em prever o futuro. Vejo perigos graves adiante. Primeiro, o fato de Sérgio Moro da Lava-Jato ser agora o ministro da Justiça deixa claro que seu papel era usar todos os meios para manter Lula fora da corrida presidencial. A direita sabia que se Lula concorresse ao cargo, ganharia. Então Moro e a justiça correram com os recursos e condenações baseando-se em acusações duvidosas para evitar que ele se candidatasse à presidência. Suponho que Moro vai continuar perseguindo a esquerda, livrando os políticos da base de apoio de Bolsonaro no Congresso de investigações sérias. Essa será parte de uma estratégia para tentar destruir o PT. As promessas de proibir os movimentos sociais declarando-os organizações terroristas também são ameaçadoras. Além disso, o seu estilo, bem parecido ao de Trump, será apelar a sua base de apoio pelo WhatsApp e mídias sociais. Não como o presidente de toda a nação, mas falando apenas para seus apoiadores radicais. Isso vai polarizar ainda mais as divisões no país. É importante lembrar que a mídia internacional vem caracterizando Bolsonaro como de extrema-direita e parecido com Trump. Mas muitas vezes argumenta que o brasileiro é bem pior. Embora a opinião pública internacional não seja capaz de determinar o destino dessa presidência, pode afetar na capacidade de implementação de suas políticas.
Como citar este post:
Democracia no Brasil está em risco, afirma o historiador James N. Green. Entrevista com James N. Green, por Marcos Cueto e Vivian Manheimmer. Blog de HCS-Manguinhos, Novembro, 2018. http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/democracia-no-brasil-esta-em-risco-afirma-o-historiador-james-n-green/ Leia mais sobre eleições na América Latina no Blog internacional de HCS-Manguinhos: El nuevo gobierno argentino y la salud – Hugo Spinelli analiza las tendencias de Mauricio Macri para la salud. Elecciones en el Perú: propuestas débiles para la salud – Víctor Zamora analiza las perspectivas para la segunda vuelta de la votación presidencial en el Perú. The new Bundestag: refugees and health – An interview with Dr. Michael Knipper, of the University of Giessen, about Germany’s recent elections and immigration policies. A divided US: The unexpected electoral victory of Trump – Theodore Brown, professor of history at the University of Rochester analyses the victory of Donald Trump and the reactions of the progressive political forces in the US. El nuevo gobierno mexicano y la salud – Ana María Carrillo, profesora titular en la UNAM, México, analiza los desafíos del país en el área de salud pública y las tendencias del presidente mexicano con respeto a este tema.