Outubro/2017
Estudando o botânico britânico George Gardner (1812 – 1849), o professor José Carlos Barreiro, da Unesp/Assis, encontrou a descrição minuciosa de uma dança ritual encenada por escravos do Rio de Janeiro na noite de Natal de 1836, em frente à varanda da casa de um inglês proprietário da fazenda, George March. Em seu relato, Gardner disse ter visto outras, mas todas eram muito grosseiras. Então resolveu descrever a que ele achou menos “rude”.
No artigo O botânico George Gardner e suas impressões sobre a cultura escrava no Brasil: Rio de Janeiro, 1810-1850, publicado nesta edição de HCS-Manguinhos (vol.24, no.3, jul./set. 2017), Barreiro conta que os escravos, em seu desempenho, inverteram o significado dos elementos religiosos da festa tradicional, que trazia sempre mensagem de amizade e reverências ao Menino Jesus. Conflito e violência marcaram o tom geral do ritual, que compreendia dança e música com instrumentos e diálogos entre os atores participantes, dentre os quais um padre com aparência de diabo, que se sentindo incomodado por aquele “barulho” enviou seu servente para pedir que parassem com a apresentação. Não sendo obedecido o padre apareceu depois, muito irritado, tentando acabar com o barulho. Contudo, gostou e dançou efusivamente, mas ao final chicoteou todos e a dança termina.
Havia notícia de outras festas de Natal de escravos que ocorreriam em outras partes do Brasil e das Américas. Anteriormente, em Trinidad e Tobago, no Natal de 1805, em uma revolta sufocada pelos fazendeiros, os escravos satirizaram o ritual católico eucarístico da restauração da vida através do pão e do vinho, cantando versos que o pão e o vinho eram a carne e o sangue do homem branco que iriam comer e beber no Natal.
Desvelando o olhar eurocêntrico de Gardner e decodificando a linguagem simbólica do ritual, descobriu-se que a criatividade cultural dos escravos ganhava uma dimensão Atlântica. Através dela, infundiam significado e emoção ao seu mundo e criticavam a ordem social existente. A pesquisa foi financiada pelo CNPq e a Fapesp. Leia em HCS-Manguinhos: O botânico George Gardner e suas impressões sobre a cultura escrava no Brasil: Rio de Janeiro, 1810-1850, artigo de José Carlos Barreiro (vol.24, no.3, jul./set. 2017) Desta edição, acesse também: Sumário Carta do Editor Como citar este post: Teatro de escravos negros no olhar de botânico britânico. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 2017. Publicado em 16 de outubro de 2017. Acesso em 16 de outubro de 2017. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/teatro-de-escravos-negros-no-olhar-de-botanico-britanico