Anpuh na luta pela obrigatoriedade da História no ensino médio

Abril/2017

Laura de Oliveira *

Mais de um milhão de visualizações. Essa foi a repercussão nas redes sociais da carta publicada pela Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil), no último dia 15 de fevereiro, em repúdio à aprovação no Senado da medida provisória nº 746, vigente desde setembro do ano passado, que define as bases do novo ensino médio. A carta focaliza a retirada da disciplina de História da grade curricular básica, denunciando o prejuízo causado pela reforma à educação cidadã dos jovens brasileiros. O documento foi assinado pelas professoras Maria Helena Rolim Capelato e Lucília de Almeida Neves Delgado, presidente e vice-presidente nacional da ANPUH, respectivamente.

Um dia depois, em 16 de fevereiro, a reforma foi sancionada pelo seu propositor, o presidente Michel Temer, e publicada no Diário Oficial da União sob a forma da lei nº 13.415. Ela representa, entre outras implicações, a alteração da lei nº 9.394, referente às Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, que contou com a emblemática relatoria do então senador Darcy Ribeiro.

O texto é inespecífico em relação à História. Conforme as disposições gerais do artigo 3º da nova lei, as áreas do conhecimento constitutivas da Base Nacional Comum Curricular passam a ser: “I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas”. Nessa direção, as únicas disciplinas que constituem a base comum são Língua Portuguesa e Matemática – ambas obrigatórias nos três anos do ensino médio –, além de Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia.

A presença da História como disciplina na educação escolar brasileira vinha sendo, segundo Capelato e Delgado, uma constante desde o século XIX, com um hiato durante a ditadura militar, quando foi diluída em Estudos Sociais. A matéria híbrida, de matriz norte-americana, produzia uma síntese de conhecimentos das áreas de História e Geografia, oferecendo aos estudantes pouco aprofundamento nos conteúdos, além de afiná-los com a agenda política do governo pela via da censura prévia aos materiais didáticos.

Além da omissão em relação à História, a nova lei prevê, em seu artigo 6º, a possibilidade de contratação de “profissionais com notório saber”, e não necessariamente de professores licenciados – que, de acordo com as historiadoras, é um dado igualmente preocupante da reforma. Ainda que restrita aos cursos de formação técnica e profissionalizante, essa prerrogativa, conferida às escolas públicas e privadas, não apenas compromete a qualidade do ensino básico, como também impacta o ensino superior. Ao tornar prescindível a formação específica dos docentes, a nova lei decreta a obsolescência dos cursos de licenciatura e condena os departamentos que os oferecem ao gradativo encolhimento.

A carta da ANPUH ressalta, ainda, a arbitrariedade da reforma, que está sendo promovida sem qualquer diálogo do governo com a sociedade brasileira, em particular, com os professores. O argumento ganha cores mais claras e impactantes se nos debruçamos sobre a letra da lei. Conforme as disposições da LDB, a inclusão de novos componentes obrigatórios na Base Nacional Comum dependia de aprovação do Conselho Nacional de Educação (CNE) e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes da Educação (UNDIME). Na alteração feita pela lei nº 13.415, a consulta ao CONSED e à UNDIME foi suprimida, ficando qualquer mudança na base curricular a encargo único e exclusivo do CNE e do titular da pasta de educação.

Uma outra mudança drástica que a lei apresenta diz respeito à fixação do inglês como língua estrangeira obrigatória, em detrimento do espanhol. Pela antiga LDB, era compulsório o ensino de um idioma estrangeiro, ficando sob responsabilidade da administração escolar definir qual seria ofertado. Esse dispositivo operava complementarmente com a lei nº 11.161 de 2005, que instituía a obrigatoriedade da língua espanhola no ensino médio. A nova lei altera o artigo 22º da LDB e revoga a lei de 2005, estabelecendo o ensino obrigatório apenas da língua inglesa e o ensino opcional de um segundo idioma, “preferencialmente o espanhol”. Há que se sublinhar a motivação política subjacente a essa mudança, tendo em vista a alteração de rota na política externa brasileira entre as chancelarias de Celso Amorim, no governo Lula, e José Serra, no atual governo.

Em face dos argumentos apresentados, Capelato e Delgado reivindicam a obrigatoriedade da disciplina de História no Ensino Médio. O documento foi encaminhado ao presidente da República, Michel Temer; ao Ministro da Educação, Mendonça Filho; ao Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (afastado por motivo de saúde desde o dia 20 de janeiro); à Secretária Executiva do Ministério da Educação (MEC); Maria Helena Guimarães de Castro; e ao Secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares da Silva. Em resposta ao posicionamento oficial da ANPUH, o gabinete pessoal do presidente enviou ofício (nº 313/2017) afirmando que, “pela natureza do assunto”, a correspondência foi encaminhada ao Ministério da Educação. O órgão ainda não se posicionou a respeito da questão.

Enquanto isso, a Associação Nacional de História, que desde 1961 se afirma como a principal entidade de organização e representação dos historiadores brasileiros, define estratégias para fortalecer e visibilizar o debate. Em seu site oficial, foi publicado, no dia 20 de fevereiro, um conjunto de ações de que a associação vem se ocupando, entre elas: audição de especialistas para formular e encaminhar dúvidas aos servidores do MEC encarregados da elaboração da reforma; organização de uma comissão de historiadores para ir ao Congresso Nacional, ao CNE e ao MEC; solicitação de audiência pública junto à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados; mobilização das sessões estaduais da ANPUH e dos cursos de História; inclusão de um debate público sobre a reforma na programação do simpósio internacional da associação, que será realizado no mês de julho, em Brasília, e cujo mote será “Contra os preconceitos: História e Democracia”; lançamento de uma campanha nacional intitulada “SABER HISTÓRIA É OBRIGAÇÃO: PELA OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA”.

* Doutora em História, professora da Universidade Federal da Bahia

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 9 mar. 2017.

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>. Acesso em: 9 mar. 2017.

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