‘Internacional não é colonizado’

Julho/2016

Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Regina Horta. Foto de Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

Regina Horta
Foto: Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

“A discussão sobre ser ou não ser só tem a resposta ser. Todos querem ser internacionais. A questão é definir internacionalização.” A colocação de Regina Horta, editora da revista Varia Historia, no workshop Desafios de Revistas Interdisciplinares, realizado na Fiocruz de 22 a 24 de junho, reflete um anseio comum às revistas científicas latino-americanas, pressionadas a se internacionalizarem sem entenderem claramente os critérios para isso.

A língua é o primeiro entrave, principalmente nas ciências humanas. “Escrever em português é escrever para brasileiros. Não beneficia quem lê espanhol”, reconhece Regina. Por outro lado, explica, traduzir os artigos é um desafio intelectual grande, não só pelos termos técnicos, mas pelo estilo literário e por serem textos longos. Para ela, ter artigos em inglês não significa necessariamente que a revista tenha boa qualidade. Além disso, autores estrangeiros não deveriam ser privilegiados em detrimento de autores brasileiros melhores em função da exigência de uma percentagem de artigos em outra língua.

A editora enfatizou o desafio de se encontrar um equilíbrio diante das percentagens exigidas e da qualidade necessária. “É difícil não ser colonizado, mas ficar no local é um caminho de colonização também. É manter um estatuto de inferioridade na comunidade internacional”, afirmou.

Regina contou que o SciELO, portal brasileiro de acesso aberto que reúne periódicos latino-americanos, estimula as revistas a encontrarem caminhos de internacionalização que abram canais de diálogo que enriqueçam as revistas, assim como práticas que melhor as capacitem. Uma possibilidade é convidar pareceristas externos, que tragam a exigência de que o artigo não se limite a dialogar com o país onde é publicado, podendo dialogar com a literatura internacional.
Para a editora, a internacionalização se dá quando a revista é atraente o bastante para que um pesquisador estrangeiro tenha interesse em enviar-lhe um artigo original. Um exemplo seria um artigo submetido por um pesquisador dos Emirados Árabes a Varia Historia que trata dos impactos da nacionalização do canal de Suez na América Latina e as relações com o canal do Panamá. O texto original em inglês foi traduzido para o português e está disponível nos dois idiomas, na revista veiculada no SciELO.

Roberta Cerqueira, editora-executiva de HCS-Manguinhos, contou que há dez anos a revista traduz artigos para o inglês, o que contribuiu para a abertura a colaborações externas e a avaliações melhores. Ela admitiu, porém, que a tradução é um ponto difícil, já que o tradutor deve ter intimidade e proximidade com o tema.

Hooman Momen. Foto de Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

Hooman Momen
Foto: Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

Num ponto mais avançado de internacionalização está o periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, criado por Oswaldo Cruz em 1909, que publica artigos de ciências biomédicas. Escrita em inglês, a revista brasileira é a mais citada do Caribe e América Latina. Segundo o editor, Hooman Momen, 43% dos autores são estrangeiros. Ele destacou a participação de pesquisadores da América Latina, Oriente médio e Ásia. A revista tem site próprio e fornece seu conteúdo integral gratuitamente ao público.

Momen destacou o lançamento recente da seção Zika Fast Track, onde pesquisadores fazem publicações abertas de dados para serem avaliados por pares, dentro da filosofia de priorizar a aceleração do conhecimento sobre a doença e a epidemia. Ele reconheceu que é mais fácil internacionalizar dados do que artigos em áreas humanas. Segundo o editor, as publicações mais impactantes são aquelas que traduzem pesquisa em produtos.

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Mesa “Internacionalização: estratégias e controvérsias”. Foto: Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

Camilo Quintero, editor de Historia Crítica, contou que a revista nasceu na Universidad de Los Andes, na Colômbia, com um perfil muito local, e foi ganhando público nacional e depois internacional, principalmente a partir da indexação em bases como SciELO e Scopus. O periódico recebe artigos de pesquisadores de vários países, mas tem um índice de aprovação de apenas 14%. O acesso aos artigos é livre.

Stefan Pohl-Valero, da revista Ciencias de La Salud, da Universidad del Rosario, da Colômbia, contou que a seção Estudos Sociais da Salud foi criada em 2012 e que, curiosamente, a maioria dos artigos vêm da Argentina. Também chegam artigos do Chile, México, Brasil e da própria Colômbia. Após aprovação e edição, os textos são disponibilizados gratuitamente.

Na mesa anterior, de abertura do workshop, Matthew Brown, editor do britânico Bulletin of Latin American Research, contou que entre os editores da publicação só há uma latino-americana e nenhum brasileiro, apesar de a revista publicar com frequência artigos sobre o Brasil. Ele disse que o número de artigos sobre o país vem aumentando, assim como aqueles que tratam do Chile e da Colômbia. “É o começo do fim da preponderância de autores americanos e ingleses”, disse. Ele ponderou, entretanto, que a barreira da língua dificulta, pois faltam recursos para tradução de artigos em português e espanhol para o inglês. O periódico publica cerca de 30% do que recebe.

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Como citar este post:
‘Internacional não é colonizado’. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 6 July 2016]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/internacional-nao-e-colonizado/