Junho/2016
Blog de HCS-Manguinhos
Dos Cadernos de História e Saúde mimeografados às redes sociais da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, o historiador Jaime Benchimol, da Casa de Oswaldo Cruz, vivenciou 30 anos mudanças no campo das publicações científicas em ciências humanas.
No fim da década de 1980, as publicações eram produzidas em instituições universitárias e tinham pequena circulação. “O hábito de publicar em periódicos ou mesmo de ler ou utilizar artigos ainda era limitadíssimo nas ciências humanas e, em particular, da história”, contou Benchimol na mesa Panorama e desafios da política de acesso aberto, realizada em 23 de junho na Fiocruz, no Rio, durante o workshop Desafios de revistas interdisciplinares: experiências do Reino Unido, Brasil e América Latina em história, ciências sociais e humanidades.
Benchimol lembrou que em 1986, ano da criação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, a principal referência na área era a revista Quipu, lançada em 1984. Dez anos mais tarde, seria lançada História, Ciências, Saúde – Manguinhos, que ele editou por mais de duas décadas.
“Publicar era um hábito bem mais arraigado na área biomédica, que constituía o cerne da Fiocruz. Assim, antes mesmo das políticas produtivistas e periodísticas se imporem às ciências humanas nas universidades e pós-graduações, nós, historiadores da Fundação Oswaldo Cruz, começamos a sentir a pressão para mostrarmos o que produzíamos em periódicos científicos”, contou.
De acordo com o pesquisador, a Casa se sobressaía como única instituição de pesquisa especializada no Brasil, e o periódico foi criado para veicular trabalhos em história da medicina, da saúde pública e das ciências da vida, “mantendo a angular aberta para a história social e a história das ciências em geral”.
“Acho que História, Ciências, Saúde – Manguinhos cumpriu com êxito a proposta de dar densidade e visibilidade a uma área transdisciplinar que já não cabia no binômio saúde e ciências, pois nela borbulham diversos objetos e abordagens novos”, disse.
Um divisor de águas no percurso da revista foi a entrada no portal de acesso aberto SciELO, em 2000. A revista já tinha acesso aberto online, mas a ferramenta potencializou seu alcance. Benchimol destacou que o acesso livre à informação sempre foi um valor importante na Fiocruz, ligado à ideia de que ela existe para servir ao público, e por isso a instituição foi uma aliada de primeira hora do projeto, e a revista logo foi convidada a disponibilizar seu conteúdo no portal.
“O ingresso no SciELO teve um impacto tremendo sobre a revista, a começar pelo ajustamento a um modo de produção mais profissional e consciente: rigor na manutenção da periodicidade; cuidado com a endogenia; sagacidade na escolha das palavras-chave e na qualidade dos resumos, tão importantes para a indexação dos artigos; processos de editoração mais complexos para dar conta das edições em papel e digitais; uso de ahead of print, de releases, de ferramentas bibliométricas e cientométricas”, recordou.
Nos sete anos seguintes, o número de acessos aos trabalhos publicados na revista cresceu mais de 500 vezes. “Aumentou enormemente o volume de submissões vindos de outras regiões do país e do exterior, passamos a não dar conta de tantos manuscritos recebidos e aquela acolhida quase maternal teve de ser substituída por índices cada vez mais impiedosos de rejeição”, contou.
Com a entrada no SciELO, também cresceram os desafios da internacionalização: a mobilização de tradutores e revisores, de pareceristas estrangeiros, o ajustamento dos artigos às necessidades de leitores de outros países. Benchimol destacou ainda novas iniciativas no terreno da divulgação científica, que culminaram no ingresso no mundo das redes sociais, com impactos na produção das informações e no perfil dos leitores da revista.
“Quando ingressei na Casa de Oswaldo Cruz, há trinta anos, a distância psicológica e cultural entre um historiador brasileiro e, posso dizer, latino-americano, e um periódico internacional era imensa, para a maioria intransponível. A acelerada globalização e as imensas transformações técnicas na comunicação científica em curso desde então tornaram o mundo bem menor. Teríamos permanecido na periferia, senão à margem, da ciência cada vez mais internacionalizada não fosse a alavanca representada pela SciELO”, enfatizou.
Para Benchimol, ao fortalecer o acesso aberto, o portal instaurou nova correlação de forças com atores que dominam o mundo da comunicação científica, indexadores e publishers que reforçam “tendências hierarquizantes, concentradoras, monopolistas e privatizantes”. Segundo ele, empresas gigantes impõem preços elevados a instituições e pesquisadores que necessitam das informações armazenadas nos periódicos e protagonizam verdadeira batalha comercial por essa mercadoria.
Por fim, o historiador abordou as dificuldades de financiamento público e incitou os editores a se mobilizarem para que universidades, agências de fomento e ministérios coloquem os periódicos como item relevante de seus orçamentos.
Leia na revista HCS-Manguinhos:
História, Ciências, Saúde – Manguinhos: um balanço de 12 anos de circulação ininterrupta, artigo de Jaime L. Benchimol, Roberta Cardoso Cerqueira e Ruth B. Martins (HCS-Manguinhos, v. 14, n.1, mar/2007)
Leia também:
Desafios aos editores da área de humanidades no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e experiências, artigo de Jaime L. Benchimol, Roberta C. Cerqueira e Camilo Papi em Educação e Pesquisa (v. 40, n. 2, abr./jun. 2014)
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Como citar este post:
Do mimeógrafo às redes sociais, um caminho de acesso aberto. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 30 June 2016]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/do-mimeografo-as-redes-sociais-um-caminho-de-acesso-aberto/