Junho/2016
Um novo estudo publicado no The New England Journal of Medicine por um grupo de pesquisadores da Universidade do Texas, Princeton, Cambridge e da ONG Women on Web mostrou um aumento dramático na demanda por abortos seguros em países latino-americanos que emitiram alertas de saúde pública em resposta ao vírus Zika. O Brasil teve o maior aumento de demanda (108%), seguido pelo Equador (107,7%) e pela Venezuela (93,3%).
Desde 2015, um surto de Zika vírus vem afetando a maioria dos países da América Latina, Central e do Caribe. Em fevereiro de 2016, a Organização Mundial de Saúde declarou a crise do Zika como uma emergência de saúde mundial. Para mulheres grávidas, o vírus do Zika pode causar microcefalia (um problema no desenvolvimento cerebral no feto). No entanto até agora não havia dados sobre como a crise do Zika afetava a demanda por abortos seguros na região. Leis restritivas ao aborto tornam difícil a obtenção de dados precisos sobre o número de mulheres que procuram o aborto. Para contornar essa barreira, os pesquisadores coletaram dados da ONG Women on Web, uma ONG global que fornece acesso a abortos seguros em países onde não há acesso a isso. Os dados foram coletados no intervalo entre 2010-2016, envolvendo dados de 19 países latino-americanos diferentes.
O estudo comparou as tendências em pedidos por abortos seguros por cerca de cinco anos e dividiu-as em dois grupos. O primeiro é do período que vai até a data em que a Organização Panamericana de Saúde (Opas) emitiu um alerta epidemiológico sobre o Zika, em 17 de novembro de 2015 (o período de “pré-Zika”), que foi então comparado com o período após o alerta, indo até março 2, 2016 (o período “pós-Zika”). Em países em que há transmissão local do Zika e nos quais foram emitidos alertas de saúde pública para as mulheres, os resultados mostraram um aumento substancial nas tendências de pedidos de aborto no período pós-Zika.
Nos países afetados, ativistas e médicos estava relatando uma alta demanda por aborto seguro entre as mulheres afetadas pelo vírus do Zika. No entanto, este é o primeiro estudo a sugerir causalidade entre a crise do Zika e o aumento da demanda por abortos seguros na América Latina.
Dr. Abigail Aiken, professora assistente de Relações Públicas na Universidade do Texas em Austin e principal autora do estudo, declarou: “Esta pesquisa nos ajuda a entender como, após declarações oficiais do governo, os anseios sobre o Zika afetaram a vida das mulheres grávidas na América Latina. O estudo também destaca a falta de autonomia reprodutiva à qual essas mulheres estão submetidas.
Este estudo surge em um momento crucial, com a previsão da OMS de que o vírus Zika irá afetar 4 milhões de pessoas em 2017. Ele também ajuda a compreender como essa pandemia antecipada impactará a saúde reprodutiva das mulheres. Dessa maneira, essa pesquisa é um instrumento poderoso para encorajar que Estados assegurem que todos os abortos advindos dessa crise mundial de saúde sejam realizados de maneira segura, legal e acessível.
Fonte: Women On Waves
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Acesse o sumário da edição sobre medicalização dos corpos brasileiros (vol. 23, n.1, jan./mar. 2016)
Reprodução, sexualidade e poder: as lutas e disputas em torno do aborto e da contracepção no Rio de Janeiro, 1890-1930, artigo de Marinete dos Santos Silva (vol.19, n.4, dez 2012)
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