Imagem visual: monumento do que foi e do que pode vir a ser

Abril/2016

Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Ana Maria Mauad e Teresa Bandeira de Mello

Ana Maria Mauad e Teresa Bandeira de Mello

As imagens possuem vida e o reconhecimento do seu papel de agentes da história nos abre caminhos para a compreensão das diferentes dimensões de passado que nos confrontamos no presente. É esta visão que estimula as editoras da seção Imagens da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Ana Maria Mauad e Maria Teresa Bandeira de Mello. Ana Maria é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (Labhoi/UFF), e Maria Teresa é diretora geral do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e também pesquisadora do Labhoi/UFF. Elas revelaram ao Blog de HCS-Manguinhos os desafios e dificuldades do trabalho com imagens visuais no campo da história. Boa leitura.

Por que a pesquisa e a reflexão sobre as imagens visuais são importantes para os historiadores?

De fato, se pensarmos a imagem visual como forma de expressão humana, ela se revela ao historiador como um importante meio de conhecer as formas sociais do passado. O estudo das imagens visuais – pinturas, gravuras, fotografias, filmes, impressos gráficos etc – como meio apresenta ao menos uma dupla entrada. Por um lado, nos orienta para o estudo dos aspectos associados aos usos e funções sociais das imagens, incluindo tudo o que diz respeito à dimensão material do suporte em que as imagens são projetadas e suas formas de produção, circulação, consumo e agenciamento no tempo. Por outro lado, o estudo das imagens visuais deve indagar sobre as diferentes representações sociais que elas assumem, que não estão dissociadas das culturas visuais em que se inserem.

Distribuição de água a moradores de Jaguarari, Bahia, 1912. Neiva, Penna, 1916. Clique para acessar.

Distribuição de água a moradores de Jaguarari, Bahia, 1912. Neiva, Penna, 1916. Clique para acessar artigo.

Portanto, ao observamos uma fotografia resultante de uma expedição sanitária para o interior do Brasil na década de 1910 arquivada em um dos fundos da Casa de Oswaldo Cruz, há que se indagar a função que cumpria na rotina de reconhecimento por parte dos sanitaristas, qual a função do registro documental visual nessas condições sociais, que conhecimento habilitava e os protocolos de documentação a que correspondia, assim como os padrões de representação que se revelam no estudo da história da ciência, ou ainda, das formas e alteridades construídas por essa forma de registro. As imagens ganham relevância para a pesquisa histórica quando devidamente associadas a uma problemática de pesquisa que ultrapasse o seu uso como prova e incorpore o seu potencial de prática e representação social.

Carl Friedrich Philipp von Martius, Preparação para a escavação de ovos de tartaruga no Amazonas, 1823-1831. Clique para acessar o artigo “O descanso dos naturalistas”

Quais os erros comuns na pesquisa histórica sobre as imagens?

Um dos equívocos mais comuns no uso de imagens em pesquisas com temas históricos é o de usar a imagem como prova do que se afirma. O uso comprobatório da imagem a descontextualiza da sua condição de documento visual, portador de elementos significativos para reconhecer a imagem como suporte de relações sociais.

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Igreja de São Benedito enfeitada, em “Amazônia de mistérios e descobertas, Parintins a grande surpresa”.

Que dificuldades enfrentam no trabalho para HCS-Manguinhos?

Uma das dificuldades mais frequentes é, justamente, a de se deparar com textos que não consideram as imagens como parte do argumento historiográfico. Isso leva que as imagens acabem sendo apresentadas a reboque da argumentação, ora como elementos ilustrativos, que amplifica o conteúdo verbal, ora como prova visual do que se afirma.

O que as estimula no ofício?

O que nos anima na pesquisa com imagens, sobretudo as fotográficas, é seu potencial cognitivo. O estudo com imagens indagando sobre suas trajetórias e biografias possibilita-nos conhecer não somente o porquê foram produzidas, circularam e foram consumidas, mas também as formas de agenciamento e o seu destino nos arquivos. As imagens possuem vida e o reconhecimento do seu papel de agentes da história nos abre caminhos para a compreensão das diferentes dimensões de passado que nos confrontamos no presente.

Outro aspecto interessante do trabalho com imagens é a possibilidade de analisar as formas de produção social do olhar, a maneira pela qual a imagem é produzida/consumida, ou seja, de perceber que o nosso olhar é construído historicamente e os nossos hábitos de apreensão visual se transformam ao longo do tempo.

Acreditam que as novas mídias da revista (Blog, Facebook e Twitter, por enquanto) podem contribuir no campo das imagens? Como?

As novas mídias podem ajudar na identificação de imagens que faltam, em novos circuitos, nas possibilidades de descoberta do que estava oculto e pode vir à tona, por meio da variedade de novos olhares que ganham espaço nas mídias atuais. É importante estar presente nesses novos espaços de sociabilidade em rede que têm sido, inclusive, muito utilizados na divulgação acadêmica e científica e onde a comunicação se faz de forma muito rápida. Além disso, a participação da Revista nas novas mídias permite também atualizar o debate em torno das imagens digitais nesses novos contextos, de produção, circulação, utilização e, principalmente, consumo.

Fayga Ostrower, Lavadeiras, 1950. Clique para acessar "Fayga Ostrower, uma vida aberta à sensibilidade e ao intelecto"

Lavadeiras, 1950, em “Fayga Ostrower, uma vida aberta à sensibilidade e ao intelecto”

O que vocês diriam aos leitores e autores de HCS-Manguinhos?

O estudo das imagens visuais para a história social em geral e para a história das ciências e da saúde, em especial, quando devidamente questionadas, abrem um caminho completamente novo ao conhecimento do passado.

Como documentos, as imagens registram uma prática em um presente que se torna passado, mas cuja existência mira ao futuro. São, portanto, monumento – guardam o que foram e o que podem vir a ser. Buscar o olhar que esse passado nos retorna é animá-lo para que ao ganhar vida nos possibilite um conhecimento renovado.

Leia em HCS-Manguinhos:

Mello, Maria Teresa Villela Bandeira de and Pires-Alves, Fernando A. Expedições científicas, fotografia e intenção documentária: as viagens do Instituto Oswaldo Cruz (1911-1913). Jul 2009, vol.16, supl.1

Mauad, Ana Maria. No ritmo da invenção do Brasil moderno. Set 2007, vol.14, no.3

Lacerda, Aline Lopes and Mello, Maria Teresa Villela Bandeira de Produzindo um imunizante: imagens da produção da vacina contra a febre amarela. 2003, vol.10, supl.2

Hochman, Gilberto, Mello, Maria Teresa Bandeira de and Santos, Paulo Roberto Elian dos A malária em foto: imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade do século XX. 2002, vol.9

Mauad, Ana Maria. Emblemas do tempo: imagens sobre a passagem do século XIX para o XX na imprensa carioca. Nov 1997, vol.4, no.3

Leia também:

Dossiê Imagem, história e ciência Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas 2014, vol.9, n.2. Organizado por Ana Maria Mauad (UFF) e Marcos Felipe de Brum Lopes (IBRAM).

Como citar este post:
Imagem visual: monumento do que foi e do que pode vir a ser, Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 15 April 2016]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/imagem-visual-monumento-do-que-foi-e-do-que-pode-vir-a-ser/