Dezembro/2015
Vivian Mannheimer | Blog de HCS-Manguinhos Com o objetivo promover a interação entre pesquisadores brasileiros e seus pares da América Latina e do Caribe que estudam a complexa relação entre a saúde pública e as sociedades desde o período colonial, será realizada, de 6 a 9 de julho de 2016, em Trinidad e Tobago, a conferência “Saúde Pública e Sociedade na América Latina e no Caribe”, organizada pelo Departamento de História da Universidade das Índias Ocidentais, St. Augustine, em colaboração com a Universidade de York e a Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Em entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos, uma das organizadoras da conferência, Magali Romero Sá, vice-diretora de Pesquisa, Educação e Divulgação Científica da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, explica a importância do evento e discute os tópicos a serem abordados. O que esperar desta conferência? Quais as principais questões a serem abordadas? A importância desse evento dá-se principalmente pela aproximação dos pesquisadores brasileiros e latino-americanos com seus pares caribenhos. As relações científicas dos historiadores da ciência latino-americanos e do Caribe historicamente estiveram voltadas para a Europa, Estados Unidos e para estudos nacionais e regionais. Estreitar a interlocução dos historiadores da ciência latino-americanos com historiadores da ciência do Caribe enriquecerá as trocas científicas sobre temas de fundamental importância para a Medicina Tropical e outros saberes médico-científicos e contribuirá para a formação de uma rede de historiadores voltada para discutir o complexo movimento multidirecional de ideias e práticas entre Europa, Américas e o Caribe, desafiando o velho modelo difusionista da medicina e saúde em contextos não europeus. As futuras redes irão estender a historiografia existente não só explorando a complexa interação entre o conhecimento médico e científico europeu e os produzidos localmente e seu impacto na prática médica regional, mas também o fluxo de ideias e práticas entre os países latino-americanos e do Caribe, que tem até agora recebido pouca atenção dos estudiosos. Esta circulação global de ideias que leva a enfoques sucessivos de reinterpretação será sempre mais bem estudada se baseada em fontes históricas de diferentes locais, idiomas e tradições, sendo, portanto, um foco mais eficaz para que se possa construir uma sólida colaboração internacional. Os principais temas do evento são: imperialismo, descolonização e o papel da saúde pública; organizações internacionais, regionais e comunitárias e o desenvolvimento da saúde pública; pluralismo: os conflitos entre a medicina tradicional e a biomedicina; demografia, migração e controle de doenças; saúde mental; comunidade médica e o engajamento na saúde pública; novas tecnologias e procedimentos e seus impactos na sociedade; o papel da etnicidade e classe nas políticas de saúde publica; medicina tropical e seus impactos nas sociedades coloniais, na política e na economia. Como o passado dessa região, marcado pelo imperialismo e pela descolonização, se relaciona com o desenvolvimento de sistemas de saúde pública? Apesar de nos últimos anos pesquisadores terem se debruçado sobre o movimento multidirecional de ideias e práticas entre a Europa e outras partes do mundo, bem como o caráter mutuamente constitutivo do imperialismo, ideologias pós-coloniais e projetos de desenvolvimento, várias lacunas permanecem na historiografia. Relativamente pouca atenção tem sido dada para a produção de práticas médicas e científicas em contextos do Caribe e América Latina, e de como o conhecimento subjacente foi usado para remodelar a concepção e a implementação do trabalho médico e em saúde pública. A demonstração desse dinamismo na América Latina e no Caribe também teve um impacto de longo alcance sobre potências imperiais, como Grã-Bretanha, os EUA, a França, Portugal e Espanha, e é uma das temáticas a ser explorada no evento. Como os saberes tradicionais e a medicina dos povos indígenas foram incorporados pelas políticas públicas de saúde no continente? Ou foram simplesmente ignorados? Os saberes tradicionais, considerados não científicos, foram inicialmente desqualificados, mas houve também apropriações e ressignificações dentro dos cânones da medicina ocidental. Apesar da ambição da medicina ocidental de obter o monopólio da cura, novos trabalhos têm revelado que a produção do conhecimento médico e científico em territórios da América Latina envolveu complexas negociações com as populações tradicionais, muitas vezes refratárias às intervenções da medicina ocidental. Em termos gerais, a tendência que prevaleceu foi de desconsideração das concepções indígenas pelas práticas oficiais, ainda que componentes das culturais locais também estivessem presentes. Qual o impacto da medicina tropical nas sociedades coloniais? A medicina tropical se desenvolveu a partir da expansão colonial e da necessidade de atender os militares, funcionários do governo e colonos que circulavam ou viviam em regiões tropicais. Os serviços de saúde nas colônias foram promovidos e financiados pelas potências coloniais para tratar especialmente das doenças transmissíveis e atender aos colonos, por vezes estendendo-se posteriormente à população local. As práticas médicas populares eram consideradas folclóricas e não científicas, sendo rejeitadas pelos médicos tropicais e, em muitas sociedades, com a perseguição e exclusão de seus praticantes. Medidas intervencionistas tiveram grande impacto na organização social e cotidiana das populações locais como o deslocamento de populações, segregações em espaços específicos, além das intervenções sobre os corpos, as subjetividades, com a desqualificação de visões de mundo que não se coadunavam com a visão de mundo dos colonizadores. No caso dos países latino-americanos, a medicina tropical teve enorme importância nos debates sobre identidades nacionais a partir da revelação de doenças endêmicas que grassavam no interior desses países. Por outro lado, a expertise sobre essas doenças foi importante para o desenvolvimento e a legitimação de comunidades médicas locais frente aos seus pares estrangeiros. Leia em HCS-Manguinhos: Espinosa, Mariola. Los orígenes caribeños del Sistema Nacional de Salud Pública en los EEUU: una aproximación global a la historia de la medicina y de la salud pública en Latinoamérica. Mar 2015, vol.22, no.1 Cueto, Marcos. La “cultura de la sobrevivencia” y la salud pública internacional en América Latina: la Guerra Fría y la erradicación de enfermedades a mediados del siglo XX. Mar 2015, vol.22, no.1 Cueto, Marcos. Salud en la adversidad: un resumen de la historia sanitaria del Brasil. Jun 2013, vol.20, no.2 Cavalcanti, Juliana Manzoni. Rudolf Kraus em busca do “ouro da ciência”: a diversidade tropical e a elaboração de novas terapêuticas, 1913-1923. Mar 2013, vol.20, no.1Pemberton, Rita. Dirt, disease and death: control, resistance and change in the post-emancipation Caribbean. 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Leia no Blog de HCS-Manguinhos:
A história da medicina e da saúde pública na América Latina
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Como citar este post [ISO 690/2010]:
Conferência sobre saúde pública e sociedade reunirá pesquisadores da América Latina e do Caribe. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 10 December 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/conferencia-sobre-saude-publica-e-sociedade-reunira-pesquisadores-da-america-latina-e-do-caribe