Agosto/2015
A descoberta das sulfonas, na década de 1940, transformou o tratamento da hanseníase, na época chamada de lepra, e o seu entendimento. No artigo Discussões em torno da reconstrução do significado da lepra no período pós-sulfônico, Minas Gerais, na década de 1950, publicado em HCS-Manguinhos (v. 22, n.2, jan./abr. 2015), a autora Keila Auxiliadora Carvalho, professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, analisa o debate que se constituiu no periódico Arquivos Mineiros de Leprologia sobre o processo de substituição das antigas práticas profiláticas de combate/controle da lepra, principalmente o isolamento compulsório, por novas práticas baseadas na sulfonoterapia.
“Essa medicação trouxera não apenas a possibilidade de curar a enfermidade, como também a necessidade de lhe dar novo significado, para, assim, legitimar novas práticas profiláticas. Obviamente, a transformação foi um processo lento, marcado por continuidades em relação ao significado anterior. Mesmo sendo questionada e posteriormente confirmada a ineficácia do isolamento para conter o desenvolvimento da endemia, ele se manteve. O término oficial do isolamento compulsório só ocorreu em maio de 1962, e há evidências de que as pessoas continuaram a ser isoladas em alguns leprosários até o final da década de 1970”, revela a autora.
De acordo com Keila, se, para a comunidade médico-científica, não fora fácil admitir que o isolamento não surtira os resultados esperados e que, portanto, deveria ser abolido das ações de combate à enfermidade, para a sociedade, a questão tornara-se muito mais complexa. “Temer o leproso passou a ser um componente da cultura popular que o associava à imagem bíblica do indivíduo desfigurado pela doença”, observa.
Transformar esse entendimento sobre a enfermidade e o enfermo foi um desafio assumido pelos agentes de saúde pública, particularmente, os médicos envolvidos na luta contra a lepra. Em seguida, entidades da sociedade civil preocuparam-se com a reintegração do portador da doença à sociedade. Era preciso ressignificar a enfermidade para torná-la menos temível. A mudança na nomenclatura e na forma de se referir a seu portador – de lepra para hanseníase e de leproso para hanseniano – foi um fator importante nesse processo.
O artigo de Keila é baseado em sua tese de doutorado em História, defendida na UFF em 2012.
Leia em HCS-Manguinhos:
Carvalho, Keila Auxiliadora. Discussões em torno da reconstrução do significado da lepra no período pós-sulfônico, Minas Gerais, na década de 1950. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Abr 2015, vol.22, no.2
Mellagi, André Gonçalves and Monteiro, Yara Nogueira O imaginário religioso de pacientes de hanseníase: um estudo comparativo entre ex-internos dos asilos de São Paulo e atuais portadores de hanseníase. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Jun 2009, vol.16, no.2
Castro, Selma Munhoz Sanches de and Watanabe, Helena Akemi Wada Isolamento compulsório de portadores de hanseníase: memória de idosos. Jun 2009, vol.16, no.2
Leandro, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim. Jun 2009, vol.16, no.2
Santos, Vicente Saul Moreira dos.Pesquisa documental sobre a história da hanseníase no Brasil. 2003, vol.10, suppl.1
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Moreira, Tadiana Alves. Panorama sobre a hanseníase:quadro atual e perspectivas. 2003, vol.10, suppl.1
Sarno, Euzenir Nunes. A hanseníase no laboratório. 2003, vol.10, suppl.1
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Levison, Julie H. Beyond quarantine: a history of leprosy in Puerto Rico, 1898-1930s. 2003, vol.10, suppl.1
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Como citar este post [ISO 690/2010]:
Ressignificação da lepra é tema de artigo em HCS-Manguinhos. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 15 August 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/ressignificacao-da-lepra-e-tema-de-artigo-em-hcs-manguinhos/