Projeto mapeia patrimônios históricos esquecidos do estado

Julho/2015

Vinicius Zepeda | Boletim da Faperj

Fazenda George March: sede ficava no bairro Alto, em Teresópolis, RJ. Foto: Acervo da cidade.

Fazenda George March: sede ficava no bairro Alto, em Teresópolis, RJ. Foto: Acervo da cidade.

No ano de 1818, o inglês George March arrendou a fazenda de Sant’Anna do Paquequer e as quatro sesmarias em seu entorno, e rebatizou com seu nome a localidade, que ficava na Região Serrana fluminense, onde hoje estão as cidades de Teresópolis e Guapimirim. Com mão de obra escrava, ali se produziam legumes e cereais, e também funcionava uma coudelaria – espécie de haras. Onde era a sede da fazenda, hoje está o bairro do Alto, de Teresópolis. O lugar é também um exemplo do que a historiadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcia Motta denomina como patrimônio fantasma: locais que, apesar do enorme valor histórico, não foram tombados pelo patrimônio público e correm o risco de ter sua história esquecida. Para evitar que isso aconteça, ela vem coordenando, ao lado de Marina Machado, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a criação de um mapa histórico de patrimônios fantasmas de cidades fluminenses. A iniciativa, desenvolvida com recursos do edital Apoio a Projetos de Extensão e Pesquisa (Extpesq), da Faperj, conta com a participação de pesquisadores e estudantes de História e de Produção Cultural, além do apoio da designer Silvia Dantas e do setor de informática da UFF.

O mapa é um dos projetos que integram a Rede Proprietas, também coordenada por Marcia Motta e desenvolvida com apoio da Faperj e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Fundada pela historiadora  e pela equipe composta por Allan Rocha (professor de direito da UFRRJ), Beatriz Cerbino (professora de produção cultural na UFF), Leandro Malavota (historiador do IBGE), Leandro Mendonça (advogado e professor de produção cultural na UFF) e Marina Machado (professora de história econômica na Uerj), a rede se propõe a funcionar como um canal para debate e reflexão sobre a temática da propriedade, assim como para a produção e divulgação de pesquisas voltadas para a preservação e a defesa de interesses coletivos.

Além da Fazenda George March, outro local já identificado pelo projeto fica no bairro do Fonseca, em Niterói, Região Metropolitana do Rio. Na esquina da Alameda São Boaventura com a Rua São Januário, onde hoje funciona um grande supermercado, ainda é possível ver a estrutura em que anteriormente funcionou o Cinema São Jorge. “Inaugurado em 1954, com 200 lugares, era considerado, por conta de suas enormes dimensões, o Maracanã dos cinemas. Foi bastante popular, programando sessões duplas e atendendo principalmente aos moradores do bairro”, explica Marcia.

Ainda na Região Metropolitana, na cidade de Itaboraí, onde estão os distritos de São José e Cabuçu, os pesquisadores identificaram e estão analisando o Aldeamento de São Barnabé, que reunia índios temiminós, moromomins e goitacazes. “Em 1583, essas terras foram confirmadas pela Corte Portuguesa para fins de aldeamento, embora, anos mais tarde, os jesuítas tenham transferido esses índios para a região de Cachoeiras de Macacu. Foi o único aldeamento do Rio de Janeiro a obter o status de freguesia (1759) e vila (1772), embora isso não tenha impedido seu declínio na segunda metade do século XIX”, afirma.

A historiadora chama a atenção de alguns dilemas levantados por sua equipe até o momento. Um exemplo está localizado no município de Paraty, no Sul Fluminense. “Apesar da fama do lugar e de sua arquitetura colonial, em grande parte tombada pelo patrimônio histórico, temos verificado que, ali, a força do turismo tem provocado um excesso de mercantilização em sua economia e impedido que investimentos em outros setores da economia sejam feitos. Desta forma, os moradores nativos da região cada vez mais têm se afastado do centro da cidade para conseguir arcar com o alto custo de vida local, voltado para o turismo”, destaca a pesquisadora.

Ainda assim, nem tudo ali é tombado. “Redescobrimos a capela Santa Cruz da Generosa, construída em homenagem a um escravo liberto que se afogou em um rio nos arredores da pequena igreja, numa sexta-feira santa. Uma moradora do lugar, D. Generosa, prometeu mandar erguer ali uma cruz de cedro. Passado algum tempo, ergueu-se uma capelinha, com altar e luminária, que passou a ser conhecida como Santa Cruz da Generosa. Atualmente, é um importante palco da cidade, onde são realizadas festas de santa cruz”, acrescenta. Organizadas pelos jesuítas no mês de setembro, estas festas celebram a cruz como instrumento de salvação e fonte de santidade.

Outro dilema está na cidade de São Gonçalo, vizinha a Niterói, onde fica a Fazenda Colubandê, único exemplar da arquitetura colonial rural preservada em área urbana no Brasil. Parte da sesmaria doada a Gonçalo Gonçalves, seu engenho foi vendido ao cristão novo Ramirez Duarte de Oliveira, que mudou de nome a fim de fugir da Inquisição. Em 1713, a fazenda foi confiscada pela igreja e entregue aos jesuítas. A casa-grande foi construída em torno de um poço do século XVII, de acordo com a tradição judaica. Ao longo do tempo, foi sendo reformada ao gosto de cada dono, sem seguir um estilo padrão. Em 1940, a fazenda foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, posteriormente, desapropriada pelo governo do estado do Rio de Janeiro, em 1969. “Esta situação ambígua entre o tombamento e a desapropriação contribuiu para o estado de abandono em que o local se encontra atualmente. Precisamos pensar maneiras de fazer com que a população ocupe um local que é patrimônio público e ajude a preservá-lo”, destaca.

Marcia explica que o objetivo é levar o projeto às salas de aula no Ensino Médio espalhadas pelo estado. “Atualmente, estamos nas cidades de Teresópolis, Friburgo, Paraty, Rio das Ostras, São Gonçalo e Niterói. Numa segunda etapa, esperamos chegar a outras cidades”, explica. Segundo Marcia, com a iniciativa, os alunos serão estimulados a resgatar a história da região onde vivem, ao mesmo tempo em que se comprometem com a preservação do patrimônio material. “A ideia é que já no ano de 2016 o projeto comece a ser desenvolvido”, conclui.

Fonte: Boletim da Faperj