Junho/2015
No começo do século 20, os mesmos trens que abriram caminho para a fundação de diversas cidades no oeste paulista serviram também para espalhar pela região um repertório vegetal que marcou seus espaços urbanos, a agricultura e até mesmo hábitos alimentares. Esse processo foi tema da apresentação da arquiteta Marta Enokibara, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da COC, no Encontro às Quintas, na Fiocruz, no Rio de Janeiro, em 21 de maio. Ela abordou a atuação do Serviço de Distribuição de Mudas e Sementes de São Paulo.
De 1890 a 1900, foram criados 41 novos municípios no estado de São Paulo, a maioria no oeste paulista. “A expansão das ferrovias escoava o café, fundava cidades e ao mesmo tempo ia desmatando a mata nativa”, afirmou a pesquisadora. Ela estudou 29 cidades ao longo de quatro ferrovias: a Estrada de Ferro Araraquarense, a Estrada de Ferro Noroeste, a Companhia Paulista e a Companhia Sorocabana.
Ao analisar 63 praças localizadas nessas cidades, a Marta identificou alguns padrões. Estruturadas segundo uma quadrícula, em consonância com o traçado urbano, essas praças ficavam próximas à linha férrea e eram contíguas a igrejas. “A estação ferroviária sempre é um elemento importante indutor da transformação urbana”, declarou a arquiteta. “Mesmo no período republicano, a Igreja ainda tinha uma força muito grande, inclusive na formação desses espaços públicos”. Entre os equipamentos recorrentes, estavam os coretos para apresentações de bandas musicais, luminárias, bancos de ferro fundido, fontes e espelhos d’água.
Com um repertório vegetal que possibilitava um desenho elaborado, as praças do oeste paulista estavam estruturadas em sintonia com a reforma feita no Jardim da Luz, na capital paulista, entre 1899 a 1901, quando foram introduzidas várias espécies novas, entre as quais jaqueiras que compunham uma alameda por onde os carros podiam circular no perímetro do parque.
Documentos do Serviço de Distribuição de Mudas e Sementes
A escassez de documentos sobre a distribuição das mudas pelo oeste paulista não desestimulou a pesquisadora, que saiu em busca de informações. Ela conta que, por uma casualidade, seu grupo de pesquisa encontrou uma série de volumes encadernados que continham papéis timbrados do Serviço de Distribuição de Mudas e Sementes de São Paulo, criado em 1898. “Foi por acaso, estava no chão, em um local cheio de goteiras”, disse.
O objetivo do serviço era promover a diversificação de espécies agrícolas, florestais em função da superprodução do café e do desmatamento causado principalmente pelo consumo de lenha das locomotivas, e ornamentais, adequação ao novo código sanitário do Estado de 1894. Tal documento definia padrões para a abertura de ruas, a construção de praças e sua arborização, além da drenagem de pântanos, para o que era aconselhado o uso de eucaliptos.
Os órgãos encarregados desse serviço de distribuição foram o Horto Botânico de São Paulo e o Instituto Agronômico do Estado, posteriormente denominado Instituto Agronômico de Campinas. A função dessas instituições era realizar o inventário, a seleção, a aclimatação, a produção e distribuição de mudas.
Os volumes do Serviço de Distribuição a que Marta teve acesso informavam a data das solicitações das mudas ou sementes e o local para onde eram enviados. A pesquisa de Marta se deteve nos registros de solicitações feitos por este serviço entre 1909 e 1912. Nesse período, as solicitações públicas totalizaram 467, e as privadas foram 5.324. A espécie mais requisitada foi o alfeneiro-do-japão, como consta em um dos registros referente a um pedido feito pela prefeitura de Franca (São Paulo), de 75 mudas desta planta e 25 de magnólias.
“Os dados nos permitem extrair várias informações, como a quantidade de cidades que solicitaram mudas. Nesse período, foram [atendidas] 137 cidades diferentes, sendo 21 do oeste paulista”, disse Marta, acrescentando que Jaboticabal (SP) está entre as cidades do oeste paulista que mais solicitaram mudas.
Sobre as mudas e sementes distribuídas, Alberto Löfgren, naturalista e botânico sueco e primeiro diretor do Horto Botânico de São Paulo, comentou em uma publicação da época: “Nos pedidos feitos ao Horto Botânico, muitos dos requisitantes evidentemente não reconheciam as plantas que pediam, e guiavam-se apenas pelos nomes latinos. Outras vezes a escolha parecia feita como para um bilhete de loteria”. O trecho foi reproduzido por Marta em sua apresentação.
Fonte: Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
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