Junho/2015
Autor do livro Bebida, abstinência e temperança na história antiga e moderna, o historiador Henrique Soares Carneiro esmiuçou a gênese dos movimentos e políticas proibicionistas do álcool nos EUA nos séculos XIX e XX em palestra realizada em 28 de maio, no Encontro às Quintas, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, no Rio de Janeiro. Carneiro, que é professor de História Moderna na USP, concedeu entrevista ao Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos.
Por que o seu interesse pelo proibicionismo nos EUA e qual a relação com o contexto atual da guerra às drogas?
O meu interesse vem de uma longa trajetória de estudo e ativismo sobre esse tema. Fui militante do movimento estudantil secundarista nos anos 80, na derrubada da ditadura. Desde esta época, a gente tinha consciência da importância que havia na repressão cotidiana nas camadas pobres da juventude sob o pretexto do uso de drogas. Quando entrei para a universidade para fazer História, já tinha a intenção de me dedicar a esse estudo. Fiz meu mestrado e doutorado sobre a história moderna da farmácia e da botânica e, quando entrei na universidade como professor, adotei uma linha de pesquisa ligada à história da alimentação, das bebidas e das drogas, que estamos chamando de história das ingestões, para fazer um trocadilho da gestão das ingestões, porque o que interessa em relação a todas estas substâncias é a regulação que elas vão ter em diferentes sociedades e períodos.
Além do levantamento bibliográfico que você vem fazendo, pretende fazer alguma ponte com pesquisadores americanos atuais?
Sim, não só com os americanos mas também com os europeus e latino-americanos. Temos alguns núcleos de pesquisa que já estão se dedicando a isso. Um deles é o Neip – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos -, nascido em 2001 e que já tem 90 pesquisadores, inclusive alguns de fora do Brasil. Tenho um diálogo também na França, onde fiz parte do meu doutorado e, na América Latina, estamos vinculados principalmente a um pessoal no México, e vai haver um encontro em outubro. É um dos temas candentes do debate público internacional e onde as ciências, de conjunto, podem oferecer um grande auxílio, não só as biomédicas, às quais tradicionalmente as drogas são relacionadas, mas particularmente as ciências humanas, que pode dar o ângulo mais crítico de mostrar que não se pode reduzir o fenômeno de drogas a uma questão exclusivamente medicinal ou farmacêutica, já que ela tem uma série de outras repercussões, que vão desde o uso religioso até o aspecto filosófico da questão.
Na sua pesquisa, você busca um diálogo com a historiografia da medicina. Como é a relação entre a medicina e a moral hoje?
Há uma gestão da esfera corporal, íntima, ligada aos aspectos mais concretos da existência humana, que são o nascimento, a morte, a sexualidade, que foram um atributo basicamente das religiões e do controle sacerdotal. Com a laicização da época moderna, houve uma espécie de transferência dessas funções para a medicina, mas ela as adotou não apenas num sentido terapêutico, com um viés científico de análise e aplicação das conclusões, mas também com um preconceito ligado à noção do controle. A medicina se assumiu como uma esfera também de poder político sobre a gestão dessas esferas, por exemplo, se as pessoas devem se relacionar sexualmente assim ou assado, com pessoas do mesmo sexo ou não, se devem ingerir álcool e em que condições. Hoje a medicina está imbuída de uma dimensão de poder biopolítico que muitas vezes não é democrática, ou seja, que impõe determinações que não são puramente científicas, mas muito mais determinações de um contexto histórico e cultural, como é o da seleção de quais substâncias podem ser lícitas ou ilícitas no mercado dos psicoativos.
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