Fevereiro/2015
Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência
O novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o bioquímico Hernan Chaimovich Guralnik, disse que uma de suas metas é resgatar as diretrizes da Lei nº 1.310, que deu origem à fundação em 15 de janeiro de 1951 e prevê um papel mais forte da ciência e tecnologia no desenvolvimento do país, na cultura e na formação de profissionais.
“Meu projeto é transferir a ideia da essencialidade da pesquisa básica, tecnológica e inovação para o desenvolvimento do País”, disse ele, em entrevista ao Jornal da Ciência em seu escritório, na Universidade de São Paulo (USP), onde divide com sua esposa Iolanda Midea Cuccovia, também bioquímica e professora associada da mesma universidade.
Os princípios da Lei – criada pelo cientista Álvaro Alberto (22 de abril de 1889 a 31 de janeiro de 1976), almirante da Marinha e um dos primeiros presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – segundo ele, serão adequados à nova realidade para estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento. Chaimovich, como é conhecido na área científica, se desligou da vice-presidência da ABC para assumir o CNPq, cuja posse será na terça-feira, 24 de fevereiro.
O novo presidente acredita que o CNPq, hoje, vem canalizando recursos para partes de projetos que não têm ligação direta com o objetivo para o qual foi criado.
O cientista, que assume a pasta em um ano de forte ajuste fiscal, disse, ainda, que um de seus grandes desafios é “transformar em recursos” o orçamento de R$ 2 bilhões previstos para este ano, evitando que investimentos em pesquisas sejam congelados no decorrer de 2015. Prometeu usar sua experiência para tornar mais eficiente a gestão do CNPq e afirmou que os projetos de pesquisa serão planejados e avaliados harmonizando os impactos científicos e sociais.
A seguir a entrevista:
Jornal da Ciência – Por que o senhor aceitou o convite do ministro Aldo Rebelo para presidir o CNPq?
Chaimovich – Não podia dizer não por dois motivos. Primeiro, é uma honra presidir o CNPq, que tem sua história marcada desde 1951, quando Álvaro Alberto fez uma proposta visionária e revolucionária, pensando no desenvolvimento científico e tecnológico do País. Também essa honra está associada à leitura cuidadosa da Lei que criou o CNPq.
Desde o comecinho do século XX, especificamente em 1920, a ABC havia colocado como desafio para o País a criação de uma agência de suporte à ciência nacional. Isso é emocionante. É uma história que começa na academia e de alguma forma se concretiza em 1951 pelos esforços de Álvaro Alberto, o Almirante.
Essa lei é linda. Desenha uma instituição voltada simultaneamente a direções paralelas. Nasce para apoiar a ciência básica, a formação de pessoal e o desenvolvimento do País, representando uma peça estratégica para o desenvolvimento nacional.
Entretanto, o desenho institucional do CNPq tem mudado ao longo do tempo. Era uma autarquia e depois passou a ser uma fundação. E um dos meus desafios é entender do ponto de vista estritamente legal a evolução estrutural do CNPq.
O “ethos” do CNPq não mudou. Mas a estrutura do órgão sofreu mudanças importantes ao longo do tempo. É isso que quero entender.
JC – O que mais o motivou a aceitar o cargo?
Chaimovich – Sou um cientista. E em paralelo faço política desde os meus 15 anos. Isso me leva a ter uma carreira dupla, como pesquisador e também participante ativo da política científica, tecnológica e educacional do País. Também no exterior tenho ocupado cargos e posições em conselhos que me dão experiência para comandar o CNPq.
JC – Quais são os outros desafios à frente do CNPq?
Chaimovich – Meu primeiro desafio é entender a estrutura, conhecer a casa e saber como opera uma organização desse porte e que tem a responsabilidade de sustentar a pesquisa de um país inteiro.
Hoje conheço o CNPq muito de fora. E também nunca exerci posição executiva em organizações federais. Isso requer aprendizado. Mas a vantagem da minha experiência, ou de ser velho (risos), é ter ocupado tantas posições e de saber que esse meu novo aprendizado poderá ser rápido. Além disso, sou um homem profundamente institucional. Visto a camisa da instituição. Já vesti algumas camisas. E neste momento sou governo, presidente do CNPq.
JC – Já apresentou propostas ao ministro Aldo Rebelo?
Chaimovich – Já falei com o ministro várias vezes. Tenho o mais profundo respeito por ele. Admiro sua trajetória política, sua capacidade de enfrentar o atual desafio e, sobretudo, aprendi a admirar a capacidade que ele tem de escutar. Eu também falo e escuto.
Falei para ele – e isso tem a ver com o que pretendo fazer – que finanças são sempre complexas. Não serão apresentadas, porém, demandas sem o acompanhamento de um projeto. Ou seja, a questão ‘não é vamos aumentar a grana. E sim, vamos fazer isso.’ Há diferença muito grande nisso.
JC – O senhor apresentou alguma questão específica ao ministro?
Chaimovich – Não. Ainda é muito cedo para começar a apresentar projetos específicos. Reforço que minha forma de operar não trata somente de recursos. Trata de recursos associados a projetos ou de recursos associados a princípios. Quais são esses princípios? Me reporto à lei que cria o CNPq, que tem como finalidade promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento. Isso mostra com clareza o que vou fazer.
JC – A lei não está se cumprindo?
Chaimovich – Em parte.
JC – O que falta se cumprir?
Chaimovich – Falta e sobra, ao mesmo tempo. Por exemplo, é muito difícil ver no CNPq a responsabilidade financeira de apoiar projetos em iniciativas que não têm a ver diretamente com estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica. Isso está sobrando no CNPq. E o que está faltando? Recursos para executar esse mandato de acordo com a dimensão deste País. As duas questões fazem parte do mesmo desafio.
JC – Como lidar com o orçamento?
Chaimovich – O orçamento é uma peça que leva um tempo para se transformar em recursos executáveis. Isso é uma coisa que estou começando a entender. Uma coisa é o orçamento, outra é a transformação do orçamento em recursos, uma passagem que precisa ser negociada passo a passo.
JC – O senhor já negociou o de 2015? Serão mantidos os R$ 2 bilhões?
Chaimovich – Pois é. Esse orçamento foi negociado muito antes de eu assumir o CNPq. A minha responsabilidade daqui para frente será a de transformar o orçamento em recursos.
JC – Qual será a estratégia?
Chaimovich – Conversarei muito com todo mundo. A minha responsabilidade central enquanto presidente do CNPq é convencer aqueles que têm o poder de decisão sobre o orçamento, e de transformá-lo em recursos, da essencialidade do CNPq no cenário nacional. Dessa forma, conversarei muito com todo mundo, com ministros, com todo o setor público, com ministérios parceiros, com o Poder Legislativo, com as fundações de amparo à pesquisa e com o setor privado.
Meu projeto é transferir a ideia da essencialidade da pesquisa básica, tecnológica e inovação para o desenvolvimento do País. Não é fácil esse discurso. Mas é um discurso que venho fazendo há 40 anos. Então é habitual.
JC – A máquina pública é complexa e burocrática. Será difícil colocar suas ideias em prática?
Chaimovich – Acredito que não. Olhando para traz, já convenci, não sozinho, a Organização dos Estados Americanos (OEA) a incluir tanto na pauta como nos planos de ação elementos que seguiam exatamente nessa direção. E a OEA é um organismo multilateral em que as negociações são muito mais complexas porque tratam de atender os interesses de todos os países do continente.
JC – Como melhorar a eficácia dos recursos do CNPq destinados à pesquisa?
Chaimovich – É importante conversar com as instituições públicas de pesquisa para que adequem sua gestão à sua missão. Assim podemos melhorar a qualidade da pesquisa básica. Hoje falta clareza na gestão de instituições públicas no âmbito da pesquisa e da preparação das pessoas que deveriam colaborar para permitir que os pesquisadores pesquisem.
Hoje existem pesquisadores brasileiros que recebem recursos significativos. O problema é a sobrecarga para o pesquisador que tem que ceder grande parte de seu tempo de pesquisa para resolver problemas administrativos e burocráticos. Por exemplo, quando um visitante estrangeiro vem ao Brasil é o pesquisador que tem de comprar a passagem e buscá-lo no aeroporto. Será que essa é uma tarefa do pesquisador?
Há muita contradição nas instituições públicas de pesquisa. Por exemplo, não mencionarei nomes, mas existem universidades, que apesar de orgulhosas com suas pesquisas, não contratam técnicos de acordo com o que é produzido pelos pesquisadores. Isso, de certa forma, impacta na eficiência dos recursos que o CNPq investe e interfere nos resultados.
JC – Qual o reflexo desse quadro?
Chaimovich – Por exemplo, o impacto médio das publicações do Brasil em relação ao mundo é da ordem de 0.6. Ou seja, a publicação média do Brasil é citada 40% menos do que a média da publicação mundial. Existem excelentes cientistas e o volume que o Brasil publica tem crescido de forma espetacular nos últimos 30 anos. Apesar disso, nosso impacto na publicação mundial não aumenta. Uma das razões é o excesso de trabalho do pesquisador com funções administrativas e burocráticas. O pesquisador em universidade tem de ensinar e pesquisar. Ele não deveria ser motorista do pesquisador visitante, nem o contador que presta conta e nem o técnico que preenche formulários. Esse é um dos problemas dentre muito outros nas instituições públicas de pesquisa no Brasil. Isso mostra que nem sempre o problema é a falta de recursos.
JC – Qual a sua avaliação sobre o cenário de patentes?
Chaimovich – O Brasil é um dos poucos países em que as universidades se destacam na listagem das instituições que depositam patentes. Quem faz inovação no mundo são as empresas – e as patentes servem de indicadores de inovação.
A Universidade de São Paulo está orgulhosa por se destacar entre as instituições que depositam patentes no Brasil. Acho isso trágico, porém. Não por que a universidade não deva registrar patentes. Mas pelo fato de a pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas empresas não resultar em inovação, por intermédio das patentes.
JC – Quais os gargalos?
Chaimovich – Isso tem a ver com o ambiente econômico e com a falta de investimento. Há algo bem notável que é a redução da taxa da formação bruta de capital fixo (FBCF) – investimentos feitos pelo setor privado em máquinas e equipamentos – no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, principalmente o setor de manufatura.
É impossível fazer investimento em P&D com participação decrescente da taxa de FBCF no PIB. Há uma correlação forte entre P&D e a taxa da formação bruta de capital fixo. Sem aumento da FBCF não há investimento em P&D. Temos um problema que passa por aí. Esse é um fator determinante, já que cada vez mais vejo no setor universitário e institutos de pesquisa uma abertura para colaboração à inovação. É claro que existem problemas de intermediação e linguagens. Mas quando esses problemas serão solucionados? Quando mudar a postura do centro de produção do conhecimento e quando as empresas contratarem pessoas que têm uma linguagem que consegue se comunicar com a linguagem da universidade. O mundo inteiro é assim. No Brasil, essa relação vinha evoluindo, mas o investimento na formação bruta de capital fixo não está aumentando. Esse não é um problema do CNPq, é um problema da economia nacional.
JC – O aumento do investimento em P&D na formação bruta de capital fixo poderia alavancar a competitividade do Brasil no exterior, hoje tão dependente das importações, sobretudo da China?
Chaimovich – O Brasil é o único país do mundo que pode ser a bioeconomia do futuro. Quais são os grandes problemas hoje da humanidade? Aumento da população, segurança alimentar, mudança climática e terrorismo. O Brasil tem uma população e uma dimensão continental que deveria enfrentar essas questões como mediador e, em muitos casos, como ator principal. Para isso, a economia brasileira teria de vislumbrar o mundo como mercado. Porque é só nessa condição que a inovação é mandatória. Quando o mercado é o mundo, se não inovar o caminho é a falência.
JC – Assim que recebeu o convite para presidir o CNPQ o senhor falou da intenção de promover “o desenvolvimento harmônico” da ciência, tecnologia e inovação. Poderia explicar isso?
Chaimovich – Cada vez que o CNPq investe em pesquisa tem a responsabilidade de medir impacto, ao mesmo tempo. Não há como medir impacto sem planejar o investimento e sem ter os mecanismos de avaliação. Por impacto entendo dois fatores correlacionados: o científico e o social.
O impacto científico tem dois componentes. Um é o cultural, ou seja, são ideias que geram novas ideias que, por sinal, têm impacto forte na formação de pessoal capaz de gerar novas ideias. Já o impacto social tem também dois fatores. Um é gerar impacto em políticas públicas baseadas em evidências. O outro é o impacto econômico direto. Ou se pensa em excelência em todos os níveis ou se perde o equilíbrio – desenvolvimento harmônico quer dizer isso.
JC – Essa está entre as suas metas no CNPq?
Chaimovich – Essa é minha meta no CNPq. É uma bandeira que me acompanha há muito tempo.
JC – Qual o recado para a comunidade científica que o apoia no comando do CNPq?
Chaimovich –A comunidade científica me conhece. Sabe que me dedico e que eu trabalho. Recebi um número grande de congratulações quando fui indicado. O que espero da comunidade científica é aquilo que a Mafalda (personagem infantil desenhada pelo cartunista argentino Quino, preocupada com a humanidade e a paz mundial que se rebela com o estado atual do mundo) falou em algum momento: ‘Sei que vocês gostam daquilo que falo, mas preferiria que vocês continuassem gostando quando eu faço.’
Mas, apesar de toda minha história genética cultural, não sou capaz de abrir as águas do mar vermelho: milagre não é comigo (risos).
JC- Qual marca que gostaria de registrar em sua atuação no CNPq?
Chaimovich – Que a sociedade brasileira recupere a visão do Álvaro Alberto que dizia que o CNPq pode ser uma fonte de cultura, de formação de pessoal e de desenvolvimento do Brasil. Sei que isso é extremamente ambicioso. Sei que dificilmente chegarei sozinho lá. Mas se não colocar metas ambiciosas não há graça.
Fonte: Jornal da Ciência
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