Fevereiro/2015
Os excessos sexuais se aguçam no carnaval, mas estão no ar o calendário todo no Brasil. O imaginário do brasileiro sobre o brasileiro é marcado por predicativos como sensualidade, lascívia e malícia. O que em outras nações aparece como traço do caráter individual, aqui virou identidade nacional.
No artigo O discurso do excesso sexual como marca da brasilidade: revisitando o pensamento social brasileiro das décadas de 1920 e 1930, publicado na última edição de 2014 de História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 21, n. 4, out/dez 2014), a autora Cristiane Oliveira, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, analisa o discurso do excesso sexual como uma marca da brasilidade produzido nas décadas de 1920 e 1930 e a sua interlocução com o discurso médico da época. As ideias de Paulo Prado e Gilberto Freyre, marcos importantes do pensamento social brasileiro daquelas décadas, são problematizadas junto com a questão da miscigenação, também em voga no período.
O excesso sexual é tratado como marca identitária da brasilidade no livro de Paulo Prado Retrato do Brasil, publicado em 1928. A tese desse autor é que o Brasil é um país marcado pela tristeza, originada pelo excesso sexual e pela cobiça frustrada do ouro. Sua reconstituição da formação social brasileira destaca a tese do mau colonizador e a da sua corrupção moral pelo escravo negro. Para ele, os europeus – portugueses, sobretudo – que colonizaram o Brasil eram “degredados” do Velho Mundo, vindos de uma cultura civilizada que reprimia seus excessos. Segundo o autor, o encontro da lascívia indígena com o desregramento do colonizador teria produzido um modo de ser do brasileiro marcado pela hibridação desses traços. Ele atribuía ao “erotismo exagerado” do brasileiro três fatores coadjuvantes: o clima, a terra e a mulher – indígena ou africana.
Cinco anos depois da publicação de Retrato do Brasil, em 1933, o tema do excesso sexual volta a ser abordado, desta vez por Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala. O discurso freyriano reafirma a ideia de excesso sexual, mas de forma positiva, assim como o seu olhar sobre a miscigenação, que vê um efeito positivo na hibridação de diferentes matrizes culturais.
Freyre acreditava ser exagero afirmar que todos os povoadores daquele período eram tarados, criminosos e semiloucos, e afirma que muitas deportações se davam por motivos outros (ateísmo, feitiçaria, misticismo) que não os desvios de conduta sexual ou a autoria de crimes. Ele acrescenta que, mesmo que os colonizadores fossem realmente superexcitados sexuais, este traço favoreceria o processo de colonização de terras tão vastas e ermas. Freyre teria encontrado uma finalidade civilizatória para o excesso sexual dos deportados.
Leia em HCS-Manguinhos:
O discurso do excesso sexual como marca da brasilidade: revisitando o pensamento social brasileiro das décadas de 1920 e 1930, artigo de Cristiane Oliveira (vol. 21, n. 4, out/dez 2014)
Sumário da edição (vol. 21, n. 4, out/dez 2014)
Como citar este post [ISO 690/2010]: