Fevereiro 2015
Enviado por Luiz Fernando Dias Duarte *
Uma situação de extrema urgência e gravidade afeta toda a pesquisa em Ciências Humanas e Sociais neste momento, no Brasil.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), recusou em 28 de janeiro último a proposta de resolução específica sobre a avaliação da ética em pesquisa no âmbito das Ciências Humanas e Sociais, que deveria complementar a resolução 466/2012, do CNS.
A comunidade das Ciências Humanas e Sociais (CHS) brasileiras vem participando há cerca de um ano e meio, através de suas principais associações científicas, do Grupo de Trabalho instituído pela CONEP para elaborar essa resolução, ao lado de representantes da própria CONEP e do Ministério da Saúde. O convite atendeu à intensa e generalizada insatisfação da comunidade com sua subordinação ao sistema CEP/CONEP, de caráter fundamentalmente biomédico, manifesta de diversas formas há vários anos.
Esse trabalhoso e custoso empreendimento resultou, em dezembro passado, numa minuta de resolução, que deveria, depois de várias etapas de discussão conjunta com outros GTs da própria CONEP, ser submetida ao seu colegiado, ao CNS e a consulta pública. O processo se interrompeu com a recusa da CONEP em acolher os principais pontos de vista e opções privilegiadas pelo GT.
A comunidade das CHS comunga das preocupações com a ética em pesquisa que inspiraram as resoluções do CNS e dos princípios gerais lá enunciados. Diverge, porém, profundamente da aplicação das formas de avaliação e controle próprias das pesquisas biomédicas sobre a área das CHS, cujas pesquisas se pautam por práticas muito diferentes e implicam em relações muito diferentes com os participantes. A sujeição dos projetos nas áreas de CHS a critérios de julgamento bioético, próprios da área biomédica e transpostos mecanicamente, é impertinente e inadequada. Representa um pesado entrave – quando não um impedimento – à realização das pesquisas que envolvem seres humanos nas CHS.
As CHS exigem, por meio de suas associações científicas e de seus representantes no GT da CONEP, que sejam respeitados os princípios adotados na minuta da nova resolução, considerados como os mais próprios à verdadeira proteção dos direitos humanos dos participantes de pesquisa nas circunstâncias específicas do trabalho dessas áreas de saber. Consideram um abuso de poder inaceitável que as ciências médicas e biológicas continuem a se assenhorear do controle do sistema CEP/CONEP, sem permitir que ele acolha de forma correta as formas de avaliação e controle do risco aos participantes das pesquisas em CHS.
Contamos com sua máxima atenção ao assunto, por meio do cotejo entre a minuta do GT, a carta da CONEP e a resposta do GT de CHS, a fim de compreender plenamente o que está em jogo neste confronto entre o arrogante arbítrio de uma agência do Estado brasileiro, por um lado, e as liberdades de pesquisa e de definição do risco aos participantes (e da sua prevenção) por parte das ciências que não se pautam pela lógica da biomedicina nem desencadeiam os mesmos danos a que ela está associada.
* Luiz Fernando Dias Duarte é antropólogo e professor titular do Museu Nacional/UFRJ
Baixe os documentos citados no texto acima
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