Karine Rodrigues | Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz
A compreensão histórica da saúde e da doença tem dado voz à subjetividade do homem enfermo. Até então relegado ao ostracismo, tornou-se um dos protagonistas no campo de estudos que vem conquistando cada vez mais espaço, promovendo pesquisas que analisam questões relativas à medicina e às mudanças sociais e processos de construção de identidades, entre outros conhecimentos.
A nova edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v.28, n. 1, jan./mar. 2021), editada pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e já disponível na íntegra no portal SciELO, lança luz sobre personagens sombreados nas franjas da história. Entre eles, os acometidos com o pênfigo foliáceo no Brasil, ao longo dos séculos XIX e XX. Doença autoimune de pele que despertava medo na população, imputava aos enfermos uma vida segregada e de muito sofrimento. Vetados pelos responsáveis pelos transportes, eram obrigados a se deslocar a pé em busca de alívio para suas chagas.
“Nessas condições, os moribundos caminhavam por centenas de quilômetros, como aqueles que se deslocavam a partir de Miracema e Pedro Afonso, hoje pertencentes ao estado de Tocantins. Os que vinham da primeira cidade caminhavam 890km até Goiânia, os que vinham da segunda, 1.008km. À beira da BR-153, sob sol, chuva e poeira, arrastavam-se “invisíveis” por meses a fio à beira da estrada”, conta o artigo de Sonia Maria de Magalhães e Dorian Erich Castro, da Universidade Federal de Goiás.
O artigo Dos aldeamentos ao horto botânico: a apropriação de plantas de uso indígena na capitania de Guayases, 1772-1806 também amplia a historiografia, ao trazer novas informações sobre empenho da América portuguesa em inventariar e comercializar produções naturais. O estudo revela que os indígenas, “com suas culturas, experiências, saberes e práticas constituíram um conhecimento milenar e ancestral sobre o mundo natural”, que, “devidamente reconhecido”, os torna protagonistas “na constituição do conhecimento científico ocidental”, frisam os autores na análise.
A revista traz também uma investigação de pesquisadores da Fiocruz sobre as ações de divulgação e popularização da ciência na instituição. Campo estratégico para a compreensão pública da ciência e o engajamento da população, ele se torna ainda mais importante nos tempos atuais, de ressurgimento de ações anticientíficas. É um movimento fundamental para fazer frente à propagação de notícias falsas, que representam uma ameaça a saúde dos brasileiros, ainda mais no contexto da pandemia de Covid-19.
Por mais transparência e diálogo na ciência
Na abertura da revista, o editor científico da HCS-Manguinhos, Marcos Cueto, atualiza as instruções aos autores, na direção dos princípios de transparência e diálogo do movimento ciência aberta. “Acreditamos que nesse processo a revista será um instrumento de discussão e convencimento das vantagens da ciência aberta, e que esta pode melhorar nossas pesquisas”, avalia o pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, que faz também uma análise sobre futuro do artigo científico em ciências humanas na Carta do Editor.
A área de Análise da História, Ciencias, Saúde – Manguinhos reúne outros sete artigos, que abordam temas como medicina baseada em evidências; reforma sanitária brasileira e a saúde coletiva; relações entre arte e ciências e saúde no álbum Quanta, de Gilberto Gil; somaterapia; diplomacia científico-tecnológica; dança e movimento como processo terapêutico; e ensino da sociologia no século XIX no Amazonas.
A publicação traz ainda uma revisão historiográfica sobre a constituição da transição nutricional latino-americana em uma perspectiva histórica, de 1850 até o presente; artigo sobre o desafio das enfermidades infecciosas emergentes e reemergentes e o novo paradigma de saúde global; e notas de pesquisa sobre gênero e a história do Instituto de Medicina Tropical em Portugal.
Além disso, este número de História, Ciências, Saúde – Manguinhos apresenta uma nova seção: “Testemunhos Covid-19”, versão mais elaborada dos textos divulgados nas redes sociais da revista sobre a atual pandemia, escritos predominantemente por historiadores da saúde. A revista traz ainda resenha de quatro publicações: Gravidez e controle reprodutivo no Brasil: coibir e negociar, de Isabela de Oliveira Dornelas, sobre o livro A miscarriage of justice: women’s reproductive lives and the law in early twentieth-century Brazil, de Cassia Roth; Aporte sobre um polêmico episodio en la historia de las quinas,
de Nicolás Cuvi, a respeito de La solución del enigma botánico de las quinas. ¿Incompetencia o fraude?, de Joaquín Fernández; Um experimento de erradicação do Anopheles gambiae no Brasil, (1930-1940), de Rodrigo Cesar da Silva Magalhães, sobre O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), de Gabriel Lopes; e A simbólica viagem à Lua e a geotransformação da natureza em Cuba, de Sandro Dutra e Silva, acerca do livro Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria, de Reinaldo Funes Monzote.
Acesse integralmente o conteúdo da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v.28, n. 1, jan./mar. 2021)